sábado, 14 de dezembro de 2019

Ainda fios

Escrever me torna o que sou. Puxando o fio do emaranhado esquecimento me torno o que escrevo, pra fazer referência a algo fora de mim. Escrevo além do que penso, mais além ainda sou o que penso que escrevo, pois leio mais tarde e me permito ver a mim mesma em outras dimensões do tempo que no momento em que aparecem no mundo seriam impossíveis de interpretar. Antes da escrita, tendo a achar que tudo é muito grave. Quando leio, é impessoal, é passível de todos os erros e acertos do mundo. É permissível. Posso ser um holograma escrito saindo do centro da minha mente, ou tirar as vendas dos olhos no instante de calcificar pedaços do que sinto em preto e branco, bem na minha frente, o instante que foi. Então sou o que eu era. Ou ainda não escrevi tudo o que já fui, pra seguir sendo mais e mais diferente de tudo o que já conheci. Me escrevo íntegra e cheia de buracos. Aceito que não sou e sou, tudo ao mesmo tempo.

sexta-feira, 13 de dezembro de 2019

No dizer adeus
Lavando a roupa suja em mágoa

Chuva ácida

Que a gente chove, tombando em pingos nos "is"
E meu desejo é claro: ser absorvida pela terra, rápido demais
Absorta sou planta, virei cacho
Sou bichinho
Monstro da escuridão
E tudo em mim virou esse fardo
Peso pesando na cabeça e coração já sumido
Sumiu

Solto mais um grito na tua caverna escura
Feito o berro da raiva de te esquecer
Lembrando que já fui começo
E lá fui nuvem, flutua
Subi ao céu
Pra me juntar água
Caindo de novo na tua cabeça dura

segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

Descobrimento

Porque eu sou vinda de outra realidade
Do caldo das vidas de outras histórias
Assim me fizeram, criei assim a forma
Apareci, no mundo azul cheio de água
Surgi e surjo no meio das gentes
E sou gente, aí

Pensam que sou bicho
Acharam meu rosto no fundo de um baú
Meu corpo no talho que sobrava
No resto das migalhas
Mas eu sou gente, aí

Respiro, falo, sinto ouço
Sou braço cabeça suor pensamento
Sozinha no embaraço
Sozinha me perdi
Sou gente, aí


Sobre sonhar
Alto e com nuvens densas dentro do ouvido
Parece até realidade


quarta-feira, 13 de novembro de 2019

Cafés

E esse tempo que esfinge
Me tinge
De um branco assim tão final
E as explosões da alma do mundo
O mundo borbulhando dentro
Pra dentro, comigo e tudo junto
Pulsando

Me prendem as vidas soltas essas tão sempre modernas vivas
O moderno já é passado
Se me penso, nada faço

Aparecendo na cratera uma fuga minha e muito nítida
Ressurgindo
Do meu próprio centro
Em incêndios
Um vulcão

O silêncio depois do fim de tudo
O instante que precede a imensidão

terça-feira, 5 de novembro de 2019

Caminhos

Tenho medo do que é fácil
Tenho medo do que é óbvio
Tenho medo do ócio e dos sentidos saciados
Tão fácil não ter medo quando o tudo está virado ao contrário!

Paralisa a só ideia de que temos algo
De que nada é eterno
E o medo a perder é dos medos o soberano
Que nos torna humanos
Que humilha e nos atrai - para os mais outros tantos medos de que somos
E esguios os medos, capazes como vento
Escolhemos um medo para tê-lo como alento
(ai, meu medo de estimação!)

Às mais difíceis escolhas, culpamos o medo por decidir a vida em que nos levamos
E no fim das contas fomos feitos com o medo e ao medo voltaremos
Pois o pó já não carrega mais nossos feitos se não nossos medos:
Aqui jaz
Teve medo de morrer, mas morreu sem medo
Pois no último instante teve medo de que fosse sua hora, afinal
E fingiu não haver final
Pra matar de medo o seu medo

Ao menor sinal de vida
Sem escolha, o medo se encolhe
Mas some pra surgir ao longe ou ali
Na forma de uma nova coragem, ou um medo ultrapassado
Com ares de tudo passa
Ou tudo fica como era pra ser antes
Ou nada fica
Ou nada passa
Mas sempre ali, companheiro
Pra mudar o rumo inteiro


Reflexo

Universos partidos
Linhas divididas
Margens
Becos sem saída

Tudo em volta me faz refletir
E se sou eu mesma meu próprio espelho
Pra onde posso fugir?

sábado, 26 de outubro de 2019

Inventário

a mente agita como um papel ao vento
abana só os pensamentos
e penso que existo mas no fundo só penso
pois existo mais pra outros do que pra mim mesma
e nos outros existo tanto quanto um pensamento
vaga, imprecisa e informal
inventada
sou mais do que penso, porém muito menos do que outros em que penso
e eles coexistem em mim como pragas, daninhas ervas crescendo
pensando e comendo
sendo
mais em mim do que neles mesmos.



terça-feira, 22 de outubro de 2019

Abjeto

Calada na noite percebo um tino antigo pra fazer do escuro um sabor doce, azedo. Percebo. No fim fazemos de tudo pra perseguir desejos sem que eles nem mesmo estejam, somos na melhor das hipóteses quadros sem molduras. O que não me importa é ser menos exposta, já estou nua e dissimulo a atenção necessária para atividades básicas - mastigar, perdoar, sumir. Tudo à minha volta repara: voei e caio lentamente, rente ao chão e respiro a poeira inerte pisada pela morte dos sonhos. Observo. Já tive mais medo, hoje tenho cal nos sapatos e algodão nos ouvidos. A quem eu engano? O medo é meu único abrigo, aquele que me define com marteladas no estômago. Adorando o escuro, profano. Essa luz e a sua sombra, meus enganos. No silêncio posso me ouvir, abrir, entender...e travo batalhas que nunca perco, já que meu reino é de palavras, facas que furam os olhos vazados do Édipo sem vigília, inocente. Me repito porque ainda não acabei, devo ainda procurar saber. Faço uma lista das minhas vontades e nada mais me assusta, nem mesmo uma surrealidade impressionante e manifestada. Nada. Apenas ouvir também me cabe, pois o som transgride a norma e rompe o delicado véu que envolve a mais pura, a mais sublime sinceridade. Sentir no corpo uma dor. Doer e envolver, acolho o torpor. Evaporo-me. Sou um objeto em extinção. Escuridão.

segunda-feira, 21 de outubro de 2019

Princípios

Em qual parte de mim me habita uma parte tua que não evito
Tentando olhar de frente o que te busco em tudo
Some e fica
Precipita
Não busco já o que parte de mim não sabe
Pois só saberia ter em ti o que de mim parte
Se não tivesse tudo em mim e nada além
À parte

Preciso, confuso, tudo agita
E só torpe exigir que de ti eu saiba toda a parte



sexta-feira, 18 de outubro de 2019

Pequenas fugas ou grandes vazios

Do pudor poesia me assalto em rimas sincréticas
Absolvo o que em mim havia de urro e absorvo
Persigo um instante que salva minha pele do derretimento absurdo - observo
Posso escrever? Minha fuga alucinada pra fora do mundo requer uma precisão cirúrgica - novamente me hermetizo porque preciso, falo dos nadas que me inundam e borbulho pra sumir, regredir, esconder
Nada tenho a esconder
É uma carcaça transparente
Me assusta
Pois nela me vejo através dos olhos do mundo, dando um salto - para o escuro sem poço: fazemos um acordo e eu os deixo sumir dentro do reflexo, sumo e desapareço da história em que um dia acreditei surgir
Sumir
Até acostumar com a dor?
Dôo, pois enxergo na vida algo mais sutil que a própria existência - a ausência

terça-feira, 15 de outubro de 2019

Ecos

A tua voz ecoa na minha nuca caverna como se buscasse
O elo perdido aos prantos, chorar uma valsa antiga
Quisesse bater na porta do nosso primeiro beijo ressona
No momento das coisas todas sendo velhas ou novas pesadas
Só o som que te sobra me verte e nos une no chão
Onde ainda soa teu raio, ou a mão
E vazia me deito ao som
Do teu olho que voa sem prazo





sexta-feira, 11 de outubro de 2019

Rarefeita

Mal respiro

E a fraqueza do ar me dissolve na realidade que agora parece sonho e que tento ofuscar
Agulhas
Pedras
Encontro no silêncio o ruído aceso da multidão que me surgiu
Sou toda ouvidos - pétalas
Ouço ainda ecos de gritos de vou embora pedindo venham me salvar
Sussurro, no alto do escuro trepidando de frio derreto
Não sei ser outras palavras
Ou fios

Vou embora
Lá talvez o olhar seja perfeitamente calculado entre tudo o que vai dar certo
E o que falta de sentido
Lá se morre sem pudor e se esquece subitamente
Que vivemos procurando um escape
Pra não sofrer em silêncio

Entre lá e aqui
Sou verso que foge pelos poros e salga o que foi
Pois insisto em retirar dele as migalhas pra depois matar de saudade a inanição
Me embrulha o estômago
Me brilha os olhos
Me paralisa

Nada mais importa, de qualquer forma nunca fiz sentido nenhum.












segunda-feira, 7 de outubro de 2019

Verdade

Correndo atrás da própria sombra
Assombrada

Me persigo quando de mim tento fugir
Esmagada - periga eu nunca contar pra mim mesma em voz alta
Mas eu nem esperava menos, só escritas que me salvam da roda insana do esquecimento - eu lembrando vidas pressagiadas e mortas sou mais viva, nada importa
Que você não entre, que não haja mãos pra me abraçar - braços, almas, luares ou confins

Lembro e faço questão
Que me sobrevivo vivendo uma vida em paralelo
Só comigo e minhas sombras
Abraçadas sabemos
Que nos pertencemos e temos

E nada mais é sutil, tudo grita
Fluorescente como as cores da mentira






sexta-feira, 4 de outubro de 2019

Vozes

Sibilando dentro da cabeça
Ouço vozes cantando em descompostos compassos
Zzzz
  Zzzz
        Zz
Vamos deixar pra depois, não tem abismo depois da queda
Nem vazio depois do medo
Não tem queda, só o luto, a dor e a ausência

Preciso exorcizar meus demônios, eles sobem nas paredes
Pouco mais me sobem na garganta e gritam pelos ouvidos
Quando eu grito, abafada
Torcem no eco atônito da solidão sem fim - uma multidão de ocos soltos
Multidões em mim

Presa na realidade infinita de tudo ou nada mais ser
Do que são os meus, mas eu sou feita de água
Sou afeita às palavras
Sou feto de frases sem cor
E culpas que carrego sem culpa
Pois me falta a parte que me cala

Ouço vozes, já não são as mesmas.





quinta-feira, 19 de setembro de 2019

Absorção

Para o mundo externo, quando ele tiver que aparecer
Extravasando de minhas águas fluindo
Brotando em chuva sobre outros leitos
Enxurrando pra misturar correntes

São vagarosas as curvas que exercito
Em pesados fluxos na terra sumindo
Absorta
Sou em mil e outros tantos
Distribuída
Sutil.

quarta-feira, 18 de setembro de 2019

Las flechas en la cabeza

Mis voces tus canciones flechas en el tiempo superando las distancias como puentes del infinito trovas subiendo por las paredes caminando en piedras calientes absorviendo la nada y cosechando lo mágico que es vivir esperando a la muerte. Temblamos porque acá se hace sur y todas las manchas en el cielo serían espejos de nuestras quietas almas pegadas a la sombra de mis sueños cansados en la espera de pasados si serían o no quien lo sabe. Somos siendo porque todo nos ultrapasa en cálidos cuentos atrapados en mi cabeza.

segunda-feira, 9 de setembro de 2019

Presumindo

Algo me diz que nada não está bem
Algo está estranho...

Pode ser só sonho, também
Me deixo cair em fins, nos todos que me habitam
Algo me diz...que talvez você seja aquela coisa
Aquilo mesmo, sabe?
A carta me diz
E eu acredito

Olha, não sou muito de levar a sério o futuro
Mas vai que



terça-feira, 3 de setembro de 2019

Aniversário

Só porque gosto de me machucar, de ficar presa no verbo saudade
De me aprisionar numa ideia que faço do passado
Que não sou eu
Não somos nós
Nem é nada mesmo, pode ser só a vida mexendo comigo
O tempo passando
O medo de soltar o que me identifica como algo que amei ser
Eu me amei e não sabia
O tempo todo eu estava lá e não vi
Passei e agora tenho isso aqui pra dar conta, essa história, meus fantasmas
Tudo foi pra eu ficar com essa carga e ter medo das mudanças?
Meus parabéns, tô aqui de novo
Com tudo o que eu não sei transformar em poesia
Essas velhas notícias tristes
Que ainda me entristecem pra caramba
Ainda se fossem canção, talvez eu cantasse pra expurgar a solidão da alma
Mas...não.

sexta-feira, 30 de agosto de 2019

Calmaria

Ao fundo, procurando não ver o que me aparece sempre na cara como uma bêbada que assusta - tudo está muito quieto, eu diria. Tão calmo que até o que sangra já não morre, e, como antes, come e se refestela por baixo dos panos e detrás da maquiagem. Sou só eu ou tá calor nesse morno inverno de Curitiba?

Ela puxou o cabelo para o lado e respirou mais um pouco da tarde que caía:

- Às vezes eu falo sozinha.

E às vezes tremia, mas fingia um corpo cansado buscando a beleza mais próxima - a raridade mais íntima, a auto-mutilação mais lúcida, a claridade mais sórdida. Nada se deixava desejar, nem mesmo os fiéis retratos de si mesma que pintava com uma obtusa maledicência. Tudo parecia longe e tudo sondava. Ou sonhava.

O sentido, de tão agressivo
Vivo
A cabeça, de tão rarefeita
Deita
A poesia, de tão infinita
Grita

sábado, 24 de agosto de 2019

Idade II

Tendia a piorar
E piorou.

A grande missa do pecado original

Há um barulho de asas no cair da noite
Pode ser o ruído da inocência inflamada
Junto com a nossa existência ruindo
Junto com os gritos de socorro
Junto com os cachorros latindo na rua com frio
Tremendo

Diz que eles têm: nome, sobrenome, endereço
Devem ter asas também, demônios
Por serem do enxofre da podridão moderna
Surgidos da selva de trevas incríveis
Os mais puros maus já inventados
Nossos medos - pecados alados
Todos unidos pra salvar a mais triste das histórias
A que nunca sequer começou
Nem importou
Pra ninguém

A história da luz que entrava pelo olho
E o terror que a tudo dissipava
A feia história da morte em vida da esperança
Oremos...
Sem fé, pois que também não é pra tanto.

quarta-feira, 21 de agosto de 2019

Cordão

Tem um fio que liga a gente - invisível passado só vejo de olho aberto
Quando você vira as costas e sai, esse fio te segue e eu só posso pensar que é um universo.

Chamado

O pulmão queima arde chama
Vamos embora, parasitas!

Sacode que lá de baixo surgem grandes populações inquietas
Estão com saudades do sol
De ver o mundo 
De respirar

Trazem as novas do subverso mundo das trevas magmáticas
Lavas vivas, é mundo!

Aqui em cima a gente esgana sufoca
Mata e morre das alturas
Dos rios, da sujeira
A gente morre acaba finda
E ainda
Se acha no direito de apagar o que já estava 

Pobrezinho
Achou que ia matar o que já estrebucha
Mas não percebeu que incendiava
Não reparou que desmembrava
A cama onde dormia e descansava

Pois eu sou tão você que te levo junto
Vamos embora, parasitas!
Que já passou do tempo
Pra destruir outra morada.










quinta-feira, 8 de agosto de 2019

Miragem

Ignorância sobre o que virá, nunca suprimiu o desgosto do que não foi. Podemos esquecer de vez em quando, podemos inventar que sim, evitar fins, adiar respostas vazias. Tudo passa e, de fato, acredito no tempo e nas perguntas que me faço - se não sempre - muitas vezes reprimidas num obscurantismo febril. Passo e passo, espero passar. Me defino com hiatos, ou as molduras que me entregam ao mundo num belo quadro transcendental pixelizado. Será que alguém enxerga tudo? 


terça-feira, 6 de agosto de 2019

Vício

Abraça-te em mim, nada esquece
Abraço o que em nós não destece

Esqueço que enfim só me perco
E me acho no fundo das letras milhares te ofereço
Palavrinhas
Palavras
Para o nada...

Melhor assim, ninguém suspeita
Nem mesmo a minha própria ausência me respeita.


sábado, 22 de junho de 2019

Molduras

Por trás de uma tela
Assim, transparente

Escutei um grito, uma selva de palmas
Eram vocês
Todos atrás
da tela de novo

Ao meu socorro veio outro grito
E era ela:
Só mais uma nuvem real de intimidade aumentada
Só mais uma dúzia de novelhidades
As falas murmúrias, mudança das eras
O público dançando suave
As mãos invadindo os espaços
As lanças, os vãos, a espera

Nada suspeitava da sua própria irrealidade
Nem aquela narrativa astuta de que eu mesma existia
sorria, sumia
sangrava e comia
nos fundos das telas
nas vidas vazias
por trás dos olhares.