sexta-feira, 30 de agosto de 2019

Calmaria

Ao fundo, procurando não ver o que me aparece sempre na cara como uma bêbada que assusta - tudo está muito quieto, eu diria. Tão calmo que até o que sangra já não morre, e, como antes, come e se refestela por baixo dos panos e detrás da maquiagem. Sou só eu ou tá calor nesse morno inverno de Curitiba?

Ela puxou o cabelo para o lado e respirou mais um pouco da tarde que caía:

- Às vezes eu falo sozinha.

E às vezes tremia, mas fingia um corpo cansado buscando a beleza mais próxima - a raridade mais íntima, a auto-mutilação mais lúcida, a claridade mais sórdida. Nada se deixava desejar, nem mesmo os fiéis retratos de si mesma que pintava com uma obtusa maledicência. Tudo parecia longe e tudo sondava. Ou sonhava.

O sentido, de tão agressivo
Vivo
A cabeça, de tão rarefeita
Deita
A poesia, de tão infinita
Grita

sábado, 24 de agosto de 2019

Idade II

Tendia a piorar
E piorou.

A grande missa do pecado original

Há um barulho de asas no cair da noite
Pode ser o ruído da inocência inflamada
Junto com a nossa existência ruindo
Junto com os gritos de socorro
Junto com os cachorros latindo na rua com frio
Tremendo

Diz que eles têm: nome, sobrenome, endereço
Devem ter asas também, demônios
Por serem do enxofre da podridão moderna
Surgidos da selva de trevas incríveis
Os mais puros maus já inventados
Nossos medos - pecados alados
Todos unidos pra salvar a mais triste das histórias
A que nunca sequer começou
Nem importou
Pra ninguém

A história da luz que entrava pelo olho
E o terror que a tudo dissipava
A feia história da morte em vida da esperança
Oremos...
Sem fé, pois que também não é pra tanto.

quarta-feira, 21 de agosto de 2019

Cordão

Tem um fio que liga a gente - invisível passado só vejo de olho aberto
Quando você vira as costas e sai, esse fio te segue e eu só posso pensar que é um universo.

Chamado

O pulmão queima arde chama
Vamos embora, parasitas!

Sacode que lá de baixo surgem grandes populações inquietas
Estão com saudades do sol
De ver o mundo 
De respirar

Trazem as novas do subverso mundo das trevas magmáticas
Lavas vivas, é mundo!

Aqui em cima a gente esgana sufoca
Mata e morre das alturas
Dos rios, da sujeira
A gente morre acaba finda
E ainda
Se acha no direito de apagar o que já estava 

Pobrezinho
Achou que ia matar o que já estrebucha
Mas não percebeu que incendiava
Não reparou que desmembrava
A cama onde dormia e descansava

Pois eu sou tão você que te levo junto
Vamos embora, parasitas!
Que já passou do tempo
Pra destruir outra morada.










quinta-feira, 8 de agosto de 2019

Miragem

Ignorância sobre o que virá, nunca suprimiu o desgosto do que não foi. Podemos esquecer de vez em quando, podemos inventar que sim, evitar fins, adiar respostas vazias. Tudo passa e, de fato, acredito no tempo e nas perguntas que me faço - se não sempre - muitas vezes reprimidas num obscurantismo febril. Passo e passo, espero passar. Me defino com hiatos, ou as molduras que me entregam ao mundo num belo quadro transcendental pixelizado. Será que alguém enxerga tudo? 


terça-feira, 6 de agosto de 2019

Vício

Abraça-te em mim, nada esquece
Abraço o que em nós não destece

Esqueço que enfim só me perco
E me acho no fundo das letras milhares te ofereço
Palavrinhas
Palavras
Para o nada...

Melhor assim, ninguém suspeita
Nem mesmo a minha própria ausência me respeita.