domingo, 27 de dezembro de 2020

 Fugindo da plateia, ou do trabalho que dá convencer as pessoas de que você é alguém real?

Hoje estive na saudade.

Ela me lembrou que já não estou mais lá. 

Ela me lembrou que saudade só serve pra quem não tem mais esperança.

Mas eu não acredito realmente nisso.

Às vezes eu só escrevo o que me dá na telha, mesmo.

Prece

 Sou só eu ou o universo está afundando? Dentro de milhares de estrelas possíveis me afogo, nas minhas próprias luzes apagadas (piscando, elas saltam, somem, sobem até a cabeça e voltam) Os fogos - artifícios - tragam o asfalto na forma de ondas. Todos são ondas, quebram na beira e somem. As almas águas. Almas águas. Salvação. 


segunda-feira, 14 de dezembro de 2020

Aperto

 Emergindo da escuridão de uma densa floresta

O monstro silencioso e tranquilo

Calmo como a ventania

Que destelha cidades sem remorso ou fúria


Sua fúria é lasciva

É metálica, cor de chumbo

Plana, pende sobre a humanidade

Meu [ódio] sacrifício

Transformado em remédio

Espúrio

Do vento da madrugada, que é chuva, que é silêncio

Mas é confuso


É todo mundo ao mesmo tempo

E vazio

Como o som da vontade de explodir

E não poder

De gritar

E não alcançar a voz

De morrer

E seguir vida no imperioso ataque da loucura


O que me acalma

Doce serenidade do aperto

Pressionando minha ganância de fugir

Até que dela surjam

Em micropedaços de movimentos inquietos

Em micromundos de expressões fugazes

Tremores, rastros

Avessos do real que é pensado para ser fantástico

Assim me vejo

Sou a face do que somos sem saber

E me empresto ao dilúvio do nascimento.






segunda-feira, 16 de novembro de 2020

Homenagem

 Estudando tentar ser o que não sou 

Ao sol das manhãs em que esqueço dos sonhos em que sou outra, mais uma vez:


No sonho eu preparo uma festa

Uma homenagem

A todos os anos, celebrar! 


Celebramos e alguém sopra o meu discurso

Devo dizer o que deve ser dito e o que se espera

Para que você homenageado finja que acredita em tudo o que se diz

E mantenha o respeito 

Se mantenha por perto

Pois já estamos tão longe que não nos vemos

Você já não enxerga

E eu vejo um reflexo vago de tudo o que um dia quis construir como castelos


Eu ruindo

Ao invés das lembranças




terça-feira, 8 de setembro de 2020

Estações

olho vazio de imensidão escura

perde ao longe a carreira do pensamento

mirando uma direção que já não existe

num lugar que já não ocupa:

o cheio de outro coração desesperado


busca o que não vê mas sabe que está

na negação dos sentidos, na entrega silenciosa

vertigem luminosa pisando a matéria-passado

que é hoje, é futuro de tão incerto

é tão nunca que sempre foi

e nunca tão perto


ofusca

brilhos da eterna parecência

do tentando ser o que não se sabe

correr da sua mesma sombra

atrás do seu mesmo sempre










Bisturi

O caminho dos amores estéreis 

É só o medo de enxergar

Que não há amores produtivos

No vazio das vaidades não assumidas

segunda-feira, 7 de setembro de 2020

Ruído II

O silêncio abrindo a porta do infinito

Para atravessar fronteiras, quebrar as lápides

Rasgar os véus

Cortar os ouvidos


O silêncio me excita, me habita

Em sua moldura existo


Sou um ruído da respiração do universo


O silêncio assusta


quarta-feira, 26 de agosto de 2020

Monólogos matinais

 Parece que quero expressar algo mas não sei o que é. Será que tudo o que a gente escreve se torna realidade? Se a gente imagina, se a gente pensa, aquilo é real, mesmo que não pareça. É material na medida em que a realidade é etérea e volátil. Como tocar a realidade? Os sentidos nos enganam, o que é doce para mim pode ser azedo para outra pessoa. Então o que é real para mim pode não ser para outra pessoa? A gente se prende em celas imaginárias, e isso nos imobiliza como se as grades fossem materiais de fato. Uma prisão interna que nos deixa imóveis, sem poder de ação. Como se a prisão nos desse alguma segurança. E quando nos obrigam a quebrar as grades? È liberdade compulsória. Somos reféns da nossa liberdade. Quero enxergar as grades que me limitam. 

Não preciso escrever ou pensar grandes verdades. Escrever é uma meditação. Na escrita foco meu fluxo e percebo sua regulação, meus pensamentos indômitos tomando forma, mas um após o outro, feito uma fila indiana, uma sequencia, uma série. Os pensamentos abstratos se equilibram numa salinha de espera com chão liso e um buraco numa das paredes, se eles se agitam muito podem cair no túnel do esquecimento, onde há uma bifurcação que pode devolvê-los à salinha de espera, ou levá-los para o limbo do um dia talvez. E eu os observo. Já me acostumei bastante a esquecer de vez em quando, mas a prática costuma deixá-los mais calmos e serenos enquanto esperam a minha mão lenta e o meu corpo os colocarem para fora de mim. Isso aqui não seria também uma realidade estendida do que sou? Essas linhas fazem parte de mim. Será que quem inventou a escrita sabia do seu poder eternizante? 

A humanidade é um grande organismo. A comunicação são as sinapses. Como posso pensar que sou sozinha? Sou parte de outras pessoas, sou tudo o que me rodeia. Me movo neste corpo mas não sou este corpo. Sou além. Posso estar muito além. Se a gente não consegue conhecer tudo ao mesmo tempo, deve ter um bom motivo pra isso. Hierarquias. É ruim sentir-se inferior, mas suspeito que isso seja um delírio humano - melhores, piores - como um ser que habita um corpo humano pode ser pior que o outro? Só o fato dele pilotar essa máquina-corpo já revela uma inteligência cósmica e espiritual grande, no mínimo. Como é que alguém habita um corpo? Nosso pensamento cristão também colocou grades no nosso viver, na forma com que nos relacionamos com o mundo. Nos limitamos ao que é "certo" ou "errado" sob uma perspectiva moral e julgamos as pessoas sob essa mesma perspectiva. Eu julgo. Me julgo o tempo todo. Como se houvesse uma régua que achatasse nossas possibilidades de ser.

sábado, 22 de agosto de 2020

Ruídos

 Me interesso por palavras, pelas sutilezas que cada uma delas carrega. A pessoa que as lê ou escuta só pode se relacionar com elas no limite da sua própria vivência. Isso é tão incrível e, ao mesmo tempo, perigoso! As pessoas podem se desentender ao falarem umas com as outras, mas o silêncio também pode ter vários sentidos. A verdade sobre o silêncio só se revela quando ele é quebrado. Ainda assim, isso não quer dizer que o silêncio em si seja algo falso, pelo contrário. Nele há tantas verdades possíveis que apenas isso já seria suficiente para justificar a manutenção de um eterno silêncio. Uma eterna não-explicação  de nada. Nada precisaria ser explicado, tudo estaria dado. O silêncio, por ser tão polissêmico, pode ser a única resposta possível para todas as perguntas. 

sábado, 15 de agosto de 2020

 Uma garrafa

anzol

no mar virtual

terça-feira, 7 de julho de 2020

um dia a gente sai desse labirinto

a poesia não serve pra explicar nada

será que alguém já escreveu isso? google, pesquisar.


sexta-feira, 3 de julho de 2020

buscar, cavucar
futucar
cansei

agora só vou deixar as coisas olharem pra mim.
O sentido 
na pele
da vida
de que nada faz sentido
o vai e vem das horas
dos dias
dos anos
me vejo envelhecida 
nas mãos
no rosto
no estômago
na vontade
mas me vejo
florescida
como antes
não me via

domingo, 17 de maio de 2020

Náufraga

se agarrar ao sofrimento como boia
no mar das possibilidades de esquecimento

segunda-feira, 4 de maio de 2020

Resquícios V (2010)

Hoje te vejo espelhado em outro ser
Que não é nada mais do que a mesma coisa com outro nome e outra idade
(Não, a idade é a mesma - ou seria a mesma data de nascimento?)
O que sei é que é terrivelmente assustador
Notar que te vejo com outro olhar, quanto tempo depois do dia em que me esqueci numa rua deserta
Notar que você de alguma forma se sublimou nas idéias verdes que fazia de teus olhos
(E que os Beatles não têm mais a mesma magia ridícula)
O que vejo agora são lapsos inconscientes e memórias igualmente incompreensíveis
De tempos em que eu não sabia pensar e deixava que você invadisse o caos da minha mente para depois largar tudo como bem entendia

Sento no chão, algo me diz que aí está bom
Começo a catar cacos de vidro produzidos por um momento de fúria
Corto o dedo (de novo?) sem querer
E atento para um pedaço que parece a cara do Michael Jackson
Observo meu entorno - nada parece incomum, cores, livros, roupas espalhadas
Não estaria eu procurando sarna pra me coçar? É, deve ser...desencana, deixa as coisas acontecerem por si próprias, tudo se ajeita no seu devido tempo e espaço

O nome até que tem a ver, pintores famosos, tartarugas ninjas, essas coisas...há uma certa ligação, enfim

Resquícios IV - Engano (2010)

Teu amor
É como uma caixinha de recordações
Que às vezes reviro como quem procura um cantinho pra se esquentar
Como "as mariposa" que sentam no prato da lâmpida.

Reviro, viro, não encontro
Só trombo com teu olhar fugidio a me ignorar
Você não é uma lâmpida
Eu não sou uma mariposa
E as voltas que dou são só pra me cegar na tua luz
E voltar a esperar
Que alguém te apague novamente
Pra eu poder enxergar um palmo à minha frente

Há momentos em que calar consiste em dizer, e dizer quer dizer dizer só por dizer. Tudo já foi dito, cerro meus lábios e só vou deixar falar meu coração.

Resquícios III - Asilo (2010)

Sou desconhecida
Para todos os efeitos, você nunca me viu
Esquece que tocou meus olhos
Faz-me retrato inútil no fundo da gaveta

No fundo, lá
Apodreço como todas as fotos velhas
Embranqueço meus cabelos como senhora
Quase tudo é mais fácil de dizer do que de fazer.

Resquícios II - O latido (2010-2020)

Anúncio do tempo
Prenúncio das boas-vindas

Fareje a si mesmo, dando voltas em torno de seu próprio pêlo
Se não tem com quem brincar, brinque com sua sombra
Não ladre, não morda
Não encoste as patas sujas na parede
Não me dê dúvidas, as tenho em quantidade razoável
Dê-me idéias, estas sim, escassas em minha mente

Busque o dentro de si, sem comer da ração chamada beijo
Permita-se existir, permita-se ser, permita ser
Permita-me ouvir o canto das sereias
Deixe-me em paz
Cachorro

Resquícios I (2010-2020)

Em quais curvas
Esqueço que um dia te quis
Como a nenhum outro quereria
(Não fossem as lágrimas derramadas por um amor passado, diria que foste tu o primeiro)
No entanto, em qual declive nosso amor se partiu
Em mil pedacinhos pontiagudos que, com o tempo, foram perdendo a aspereza
E aos poucos tornaram-se parte da pele
Assim, insensível

Espelhos

Me sinto como em outros tempos
Como em quando eu não era você

segunda-feira, 20 de abril de 2020

Fina

A língua lábia, capciosa
É uma delicada linha, escrever-se.

sábado, 18 de abril de 2020

Como se atreve?

O atrevimento é virtude de quem não ousa ficar em silêncio

Artesanato

Confeccionando o dia sobre a finitude - deliberando se devo ou talvez me entregar ao acaso de esquecer o que um dia foi mágica no fundo dos meus fins inconclusos - tarefas de casa, por assim dizer. Vamos permitir sentir, aquele fogo quem arde é teu pensamento, nosso fruto e nossa folha que um dia virou raiz e também se permitiu mudar, sou eu agora o que já não era por estar muito ocupada fugindo do medo, fugindo das flores, do abraço partido. Partem todos e eu permaneço. Interminável.

Achados

Querer perder o controle
Controlar a perda
A perda saindo pela janela
Perdi a perda
Fiquei sem nada a perder


quarta-feira, 15 de abril de 2020

Organização

Categorizei por cores e data
Um a um dos amores espalhados pela casa
Acabou a bagunça
Agora, só sigo o que consta no meu fichário:

Tudo bem organizado pra não amar exagerado.



segunda-feira, 13 de abril de 2020

Cobertura

Quem penso que sou que era
até o momento de me descobrir
coberta de razão
em querer ser só aquilo que sempre me fui

terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

Vento

Acéfalo
O estratagema daquilo que era num dia foi
Eu fui

Estive lá com meus argumentos
Toda a plateia me assistiu
Ruir
Entre os escombros saudades

Sobrou só aquilo eu
Que ficou pra nunca
Esquecida
Na borda do templo

Saudade
Pedi pro vento te levar.

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2020

Artifícios

E o meu desejo, novamente
Nele arde e queima toda a eficácia
De não ser nada além de fogo

Pegando brasa mão fria mão quente
Cabeça fria olho frio
Mas por dentro tudo incêndio

Sou devastação
Consumindo minha própria luz ausente




Não digo que vou dizer o que não diria
Longe de mim
Falar ao acaso
Em poesia
Pra quê lavar a mágoa se a alma virou fumaça?
Extemporânea
Fora de ordem
Dentro de sim

quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

Eu passo por cima
Atropelo o que vem
E finjo que não vejo
A rima estatelada


terça-feira, 7 de janeiro de 2020

Sumiço da boca que sorri

Elas estavam ali, o tempo todo. Eu te agarrando com os olhos e passando em raio-x todo teu corpo, tua essência capturada e cativa pra sempre na minha frágil memória viva. Tudo em volta anunciando: vocês são o mundo, agora! Pois falem mais alto pra não se ouvir o grito da apatia!

As pessoas bebem pra lembrar do que esquecer?

Eu ainda acho que lembro, pra variar. Mas coleciono os esquecimentos, pra doer menos e abrandar a finitude de tudo, pra não me esquecer jamais.
O sorriso da Monalisa
Dividido entre o medo e a preguiça.

Princípio (ou Para um fim destrambelhado)

Na saliva derretendo delirando - me perdi no teu titubeio confuso ou dele sempre fiz parte? As certezas não se medem por palavras, isso é certo. É só ambígua a minha breve certeza de tudo, mas ainda penso que existo. Insisto, tento ser outros, mentes, corpos e cabelos, sou um cavalo. Tento com força, me exijo prática, inflamo e arrefeço, reclamo. Ainda posso ser mais alta que essa dor - essa dor imensa! Me exijo que suma, todo esse ódio e essa calma, mas amo, acima de tudo, o silêncio. A alma. O que me sonha ao ser sonhado com tanta força. Espero. No fim de tudo, quem sabe? É o tão desejado começo: onde acaba nossa linha e recomeça o mundo.