segunda-feira, 19 de dezembro de 2022
Sumiço II
Sou só eu, esse ser indigno de descrição
Imprevisível, inescrutável, amorfa mutante rasteira medrosa
Olho de canto e profundamente, o âmago da vida mesma dentro de cada impossível ser-outro
A outra o outro es outres todes calades e assustades pensando meu deus o que essa cabeça está pensando ou pouco se lixando pra minhas possíveis opiniões
Prefiro assim passar despercebida
E só passar por notável quando me convém
Não seria lindo assim, seria insuportável
O que me encanta é o talvez encanto, talvez reveses, talvez te odeio
O que me encanta é não precisar
Fingir
Lutar
Pra encampar um espaço lote na esquina de um pensamento
Re-existir sem forças e sem hábito
Sumir da minha própria vista cansada.
Esconderijo
Busca
Entendo como inquietude o monstro que me habita
Devorando presenças sempre que me exijo demais estar
Nunca posso estar tanto quanto quero
Sempre estou distante
Em busca do próximo passo, do passado momento, em busca de algo
Estou sempre buscando
Deixando a vida pra depois.
sábado, 19 de novembro de 2022
Desaparecências e suas similitudes com o esquecimento
Esquecimentos e suas amplitudes
Ambivalências e silêncios
Uma redundância que dói
Uma dor que fragiliza
Uma fragilidade que agita
Uma agitação que sensibiliza
Uma sensibilidade promíscua
Uma promiscuidade que excita
Um tesão que ocupa
Uma ocupação que esvazia
Um vazio que redunda
terça-feira, 30 de agosto de 2022
Agonia III - Sereia
Tinha outra que era mexer o cabelo na piscina
E brincar que ele era uma sereia
Ou era eu?
Quem seria?
Nesse caso, a agonia
Era sair da água e matar a coitadinha
Agonia II
Também tinha uma agonia
Que era imaginar uma agulha bem fininha
Um fiozinho quase invisível
Furando uma bola gigante
Os contrastes me admiravam
Agonia I
Quando era criança
Brincava de tédio
Olhava pro céu
E via nuvem preguiçosa
Imaginava estar lá em cima
Bem pequenininha
No meio das nuvens gigantes
Eu minúscula
Brincava de agonia
Fruta
Olha o tamanho desse cérebro
Parece uma laranja gigante
Mas não cabe nada que não seja
Imaginante
Releitura
Um rascunho
Algo que ficou guardado
Amassado no fundo da gaveta
Que volta à vida para ter seu encantamento
Pelos olhos de quem admira
Tudo o que não sai de um papel
segunda-feira, 22 de agosto de 2022
Traço
Deixar a leveza me consumir em pedaços
Aos trancos barrancos me empurrar do penhasco
Sou fera ligeira saboto todos os passos
Entregue e presa aos teus possíveis abraços
Procuro nos olhos me despedir dos destroços
Que dias de chuva desperdiçaram sem rastros
Murchando as flores dos destemidos negócios
De cântaros mágicos e disponíveis acasos
Sou planta rasteira farejo todos os ossos
Dos pântanos beira o invisível remorso
De tanta sujeira vai espalhando os caroços
De um mundo inteiro contrariando os esforços
Sou pedra, parada, festejo todos os ócios
Sem ti não sou nada além de tudo no espaço
No afã de esquecer celebro cada estilhaço
De tudo o que temos e sobra só o bagaço
Espaço
Me reapaixonar pelas versões que cavo de mim mesma
Sentir novamente a vida dilacerando o sentido, não me deixa olhar pra trás
Acabo de renascer, já morro novamente
Mergulhada no tudo, a culpa, o caos, a confissão
Evapora, será que sempre fui eu mesma meu grande amor?
Estou fadada a cair por mim, em mim, sempre só
Fugindo de me perder daquilo que mais amo
Minha solidão
O conforto de não cumprir
O conforto de não caber
O conforto de suprir
As minhas próprias expectativas inatingíveis
Só eu mesma grande rainha
Da grande poesia da minha vida inteira
Por nada me trocaria
Por nada me deixaria
Jamais não me escolheria
Me quero e abuso da minha compaixão inconsumível
Nada é possível compatível tangível
Não posso, não deixo, nada mais vai entrar
Aqui me permaneço e esqueço
Que outro espaço não há
Cercada, nada será mais seguro
Que este meu próprio lar.
quarta-feira, 6 de julho de 2022
Sentidos
Se agarra no sentido que ela mesma inventa
O tempo todo pra se divertir
Pra se achar útil, pelo menos
Pra não achar que perde o tempo dos outros
Pra não se achar esquecível, no mínimo
E pensa que lá, do outro lado
Tem um espelho refletindo o que nunca se pode ver
O espelho do avesso pensado igual
Do contrário do que um dia
Imita a vida ela mesma no outro canto
Sumidouro, sumindo
Que é aí que o espelho faz sentido
No contrário, no avesso
No inverso inventado da cabeça
Lá dentro, ou lá fora
Por que o espelho é tudo e todo lugar
Ao mesmo tempo
Ela também imita a vida
Procurando
Sentido
Milhares
Tem vezes que esqueço quem sou
Perdida entre tantas milhares que me exigem ser
Que não dou conta nem de uma, quiçá mil
Mas que, no fundo, também quero ser
Todas as mil
E uma, se puder
Quase sempre meu querer não tem limite
sexta-feira, 17 de junho de 2022
Cometas tipo 1
Pretos cometas na sombra da testa
E o sorriso inverte o que os olhos provocam
Provoca provoca
Vai ver se eu não explodo na esquina.
Frugal
Olha com dois frutos bem pretos por trás da minha nuca
Deslizando a vontade pra depois da morte
Eu olho com fome pra comer o teu campo magnético todo
Comendo o teu corpo e digerindo na retina
Já sou o teu trejeito sério direto
Já sou fruta dentro de você
Passeando pelos dutos linfas veias
Olhando tudo com atenção pra guardar no que invento
Um rápido documentário da nossa curta saga desaparecida
Real demais para ser esquecida
Vou continuar te comendo pra sempre
Até morrer de fome.
Uma pena
Nada mais importa
E que eu desapareça pelos buracos
Sumindo enquanto converso com as diversas projeções que espalho
Esboçando um universo autêntico
Louco, a loucura sempre romântica
Que não experimenta entender o que já escapou
Intimidade pública, eu sou uma autoridade explícita
Máxima capacidade de mentir o tempo todo que me importo
De parecer até pra quem não me sabe uma sumidade súbita
Logo ela, logo ali
Com o olhar vago fingindo que não permite que tudo lhe atravesse
Como raios de estrelas cadentes furando a pele e o espírito
Transparecendo uma inteireza tão caída que amolece
O silêncio da madrugada como escudo
Pra não dormir com o barulho dos pensamentos cada vez mais agudos
Estarrecedor
Estou só com o tempo, que me acompanha no rosto muito de perto
Baforeja no meu pescoço e me enforca
A música que é senhora das minhas rugas e meus tormentos
Deve ser isso, virar fumaça
Se despedaçar o tempo todo
Ficar pelo caminho sem controle
Ensurdecer pois está tudo tão abafado
E é quente dentro do ouvido
Tem algodão, tenho certeza.
A tua leveza é tão sobrenatural
Você parece uma pena.
quarta-feira, 15 de junho de 2022
Domingo
De repente uma coisa fina tão sutil
Pois não era uma mensagem
Sempre foi o vão que habitava nosso espaço
Pra você poder ter sua razão
Seu sofrimento, escrito e derramado em imagens miraculosas
Amuletos, galhos, gatos pretos
Uma colagem dos teus estilhaços
Dos quais sou só um troço
Um pedaço
Que sobra aos domingos pois é o dia mais triste.
A cidade inteira
Desde que eu gritei "não" e você gritou "NÃO"
Mais alto ainda
Bem sonoro pra toda cidade ouvir
Pra mostrar que o seu grito já estava lá
Bem antes do meu
Parei no eco do berro
Ouvindo as tuas vozes repetindo não não não não
E gritando ainda mais agudo Não MESMO
Pra ouvirem além do teu
Tudo o que era verdade na minha negação
Que você calou com nãos severos nãos
Incisivos, finais, conclusivos
Nãos mais fechados que abertos
Como se um não pudesse ter uma abertura uma passagem um portal
Pra o que quer que houvesse do outro lado
Um não mais colorido
Que meu ouvido captasse e quisesse interpretar
Um não talvez um talvez
Que não seja tão não que não se possa remendar
Mas ouvi ainda mais alto um não trepidar no céu do inverno
Cada vez que lançava meus todos nãos na possível visão que fazia da tua certeza tão precisa
Na espera da resposta ainda mais esgarçada de boca aberta que é mais um gigantesco NÃO sobre o parque inteiro
Nãos pichados na calçada no muro no mercado
Você colava cartazes cada vez maiores de não
Espalhava papeis pela noite caindo sereno frio e não
Eu gritava em intervalos curtos nã nã nã nã não jamais
Eu arrancava de mim os nãos que fiquei de te dar
De mãos beijadas nãos toma tudo fica com você
Assim ficamos quites e podemos seguir negando
Apostando
Pra ver quem grita mais alto
Em silêncio
domingo, 12 de junho de 2022
Atenção
Não me encontro onde me perdi
Ali já não estaria jamais novamente nem que insistisse
Não sou um gato
Te ver revela o mistério
E me dá mais angústia ainda
Não querer e não querer te ver
Querer não querer te ver
As vozes, a adolescente que grita e esperneia
Quer atenção
Quer ser compreendida
Ela só quer
Atenção
Ela quer bajulação
Que seja amada
Como ninguém poderia
Ninguém é capaz de lhe dar tanto amor
Ela faz falta
Nela mesma
Ela some
Nela mesma
Ela desaparece e volta a aparecer na vida adulta
Ela nunca sumiu
Nunca foi embora
Ela está ali
Você, desapareceu
Aparece através de outros prismas
De outros olhares
Aparece no labirinto de palavras e histórias com objetos
E tento te reconstruir dentro de mim
Dia após dia
Tento te refazer
Traçar teu trajeto
Estar em tuas horas
Presente
Pensante
Te desenho com minha memória
E não esqueço, não consigo
Te desejo pois desejo a mim mesma
Refaço nosso caminho
Nossa pequena tragédia cômica - era uma piada de mau gosto?
Rimos de nós mesmos e depois choramos
Como crianças histéricas que depois de um ataque de risos ficam incontroláveis
Gatilhos
Lembranças
Sentimentos
Tudo misturado na exatidão de haver perdido o nosso tempo
A culpa já não é quem me assombra
É a tua própria sombra me cutucando e me dizendo pra parar de te seguir
Não venha atrás de mim
Não me procure
Me deixe lamber minhas feridas
Tudo novo, e sempre é
Tão fresco novo surpreendente
O que você queria, afinal?
Você teve que me falar
Aquelas coisas todas que também doeram em você
Mas mais em mim
Sem dúvidas, mais em mim
Porque sou assim dramática
E tudo toma uma proporção gigantesca
Que toda a tua razão derrete por dentro de mim como um ácido quente
Me destrói e limita
Quanto mais me vejo, mais pressinto
Que crio e destruo pelo prazer de ver queimar
Porque nada teria o direito de existir além de mim
Tamanha a vontade de controlar o que me escapa
Tamanha posse do mundo, tamanho rancor
Que inexisto se não souber que sofro por nada
Pra caber nos vazios que me preenchem
Não faço sentido
Não te vi, olhei pra mim
Pensei que uma coisa que me faz sofrer tanto não merece que eu me arraste por baixo da terra
Já basta meus pés cansados
Já basta o silêncio que pesa
Já basta o tapa na cara que é não existir
Me faço sentir pelo olhar distante
Que talvez nunca exista
Insisto na imensidão do mar como a cura para os males todos
Ou a desculpa que falta pra me abster do impossível.
quarta-feira, 4 de maio de 2022
Extenuar
Acordo de madrugada e nada mais faz sentido se não escrever
Sinto que silencio a mente quando provoco as palavras
Elas saem e algo dentro de mim se destrói
Pra talvez voltar com outros nomes, mas ir embora também
Desfazer-se delas mesmas, as palavras fogem aos sentidos
Alcançando algo que elas não trazem já na sua essência - a vida gigante que as ultrapassa
Sem palavras, volto à vida, ela mesma
Sendo algo inexplicável e incoerente
Pois nada supera o silêncio da existência em si mesma
Atendo às minhas próprias exigências
Sempre com muita razão, muito zelo
Cuidando de cada passo, tentando ser sempre mais para os outros
Menos para mim
Que sou algoz forte com cara de anjo
Uma angelicidade infinita
Um eterno - você é o que quer - dentro do que eu queira - e do que os outros esperam?
Amarrar-me a mim mesma
Novamente, pelo calcanhar
Que é mais difícil de alcançar, de qualquer forma
Nada mais me observa, por sorte
Já estou só nas palavras, após tantos anos
Finalmente, uma intimidade própria
Um descompromisso sincero, até onde caiba
Pois depois que eu for nada mais importa
E qualquer um pode dizer o que quiser com elas
Ou com o que elas já significaram um dia
Tudo morre
Pra onde vamos, depois?
Talvez para uma lembrança infinita de tudo
Ou um esquecimento total e abissal
Onde nem sequer se sabe que se esqueceu
Como agora
Pois me sinto esquecida, sempre atrás do que sou
Ou do que quero ser
Desejo
Impulso
Pulsão
A vida ela inteira
Quero sentir no corpo
O tempo
A alma
Tudo junto
Não perder nem um gole da vida mesma
Sorver até o fim
Viver para tomar
Deliberadamente, beber
Chupar, extenuar a vida toda
Queimar e arder
Enquanto isso, viver
quinta-feira, 31 de março de 2022
Me reencontro com as sombras aquelas todas que nunca quero despedir
Me despeço do som que ecoa da saudade
A saudade que não existe
A saudade que resistiu ao fim dos tempos
A saudade que é a própria existência
Sigo seguindo os fios cor-de-rosa embolados dentro da cabeça
às vezes nós
às vezes mesmos fios
Por dentro só tinta de uma vontade de ser fios
Por fora só palavras e sentido
Tudo faz sentido e nada mais
Quero sumir de você
Quero sumir de nós
Que nada nunca existiu
Porque é sempre mais fácil fugir
E imaginar que eu nunca existi na nossa história
Mas que sombras tão obtusas
São elas
Que remediam toda dor
E causam todo desconforto
Absolutamente enclausurado na memória partida de tantas eus
Absolutas e obsoletas, todas juntas
Mas, não menos que elas, torpes
Esparsas, amarelas
São todas quem foram
Belas, jovens, soberbas e sábias de tudo
E sós
Sempre muito sós
Como sempre estou por vontade própria
Porque a mim mesma não ofereço perigo
Mais do que me aturar, e isso já é grande esforço
Me deparar com várias absolutas
Sempre absolutas e esquecidas dos outros
Imprecisas de diretrizes alheias
Não precisam de mais nada
Variam entre a preguiça e o desgosto
E as palavras me esquecem, finalmente, me esgotam
Eu esqueço que me prefiro sempre maior
Maior do que todas as outras
Esquecida da minha pequenez
Esqueço de não ser
Reencontro o cinismo de me esquecer
Sempre esquecer
Porque lembrar é sempre duro e original
E cansei de não me encontrar nas outras pessoas que sou