A quebra entre o que pode me machucar
E o que só finge que me cutuca.
Pretos cometas na sombra da testa
E o sorriso inverte o que os olhos provocam
Provoca provoca
Vai ver se eu não explodo na esquina.
Olha com dois frutos bem pretos por trás da minha nuca
Deslizando a vontade pra depois da morte
Eu olho com fome pra comer o teu campo magnético todo
Comendo o teu corpo e digerindo na retina
Já sou o teu trejeito sério direto
Já sou fruta dentro de você
Passeando pelos dutos linfas veias
Olhando tudo com atenção pra guardar no que invento
Um rápido documentário da nossa curta saga desaparecida
Real demais para ser esquecida
Vou continuar te comendo pra sempre
Até morrer de fome.
Nada mais importa
E que eu desapareça pelos buracos
Sumindo enquanto converso com as diversas projeções que espalho
Esboçando um universo autêntico
Louco, a loucura sempre romântica
Que não experimenta entender o que já escapou
Intimidade pública, eu sou uma autoridade explícita
Máxima capacidade de mentir o tempo todo que me importo
De parecer até pra quem não me sabe uma sumidade súbita
Logo ela, logo ali
Com o olhar vago fingindo que não permite que tudo lhe atravesse
Como raios de estrelas cadentes furando a pele e o espírito
Transparecendo uma inteireza tão caída que amolece
O silêncio da madrugada como escudo
Pra não dormir com o barulho dos pensamentos cada vez mais agudos
Estarrecedor
Estou só com o tempo, que me acompanha no rosto muito de perto
Baforeja no meu pescoço e me enforca
A música que é senhora das minhas rugas e meus tormentos
Deve ser isso, virar fumaça
Se despedaçar o tempo todo
Ficar pelo caminho sem controle
Ensurdecer pois está tudo tão abafado
E é quente dentro do ouvido
Tem algodão, tenho certeza.
A tua leveza é tão sobrenatural
Você parece uma pena.
De repente uma coisa fina tão sutil
Pois não era uma mensagem
Sempre foi o vão que habitava nosso espaço
Pra você poder ter sua razão
Seu sofrimento, escrito e derramado em imagens miraculosas
Amuletos, galhos, gatos pretos
Uma colagem dos teus estilhaços
Dos quais sou só um troço
Um pedaço
Que sobra aos domingos pois é o dia mais triste.
Desde que eu gritei "não" e você gritou "NÃO"
Mais alto ainda
Bem sonoro pra toda cidade ouvir
Pra mostrar que o seu grito já estava lá
Bem antes do meu
Parei no eco do berro
Ouvindo as tuas vozes repetindo não não não não
E gritando ainda mais agudo Não MESMO
Pra ouvirem além do teu
Tudo o que era verdade na minha negação
Que você calou com nãos severos nãos
Incisivos, finais, conclusivos
Nãos mais fechados que abertos
Como se um não pudesse ter uma abertura uma passagem um portal
Pra o que quer que houvesse do outro lado
Um não mais colorido
Que meu ouvido captasse e quisesse interpretar
Um não talvez um talvez
Que não seja tão não que não se possa remendar
Mas ouvi ainda mais alto um não trepidar no céu do inverno
Cada vez que lançava meus todos nãos na possível visão que fazia da tua certeza tão precisa
Na espera da resposta ainda mais esgarçada de boca aberta que é mais um gigantesco NÃO sobre o parque inteiro
Nãos pichados na calçada no muro no mercado
Você colava cartazes cada vez maiores de não
Espalhava papeis pela noite caindo sereno frio e não
Eu gritava em intervalos curtos nã nã nã nã não jamais
Eu arrancava de mim os nãos que fiquei de te dar
De mãos beijadas nãos toma tudo fica com você
Assim ficamos quites e podemos seguir negando
Apostando
Pra ver quem grita mais alto
Em silêncio
Não me encontro onde me perdi
Ali já não estaria jamais novamente nem que insistisse
Não sou um gato
Te ver revela o mistério
E me dá mais angústia ainda
Não querer e não querer te ver
Querer não querer te ver
As vozes, a adolescente que grita e esperneia
Quer atenção
Quer ser compreendida
Ela só quer
Atenção
Ela quer bajulação
Que seja amada
Como ninguém poderia
Ninguém é capaz de lhe dar tanto amor
Ela faz falta
Nela mesma
Ela some
Nela mesma
Ela desaparece e volta a aparecer na vida adulta
Ela nunca sumiu
Nunca foi embora
Ela está ali
Você, desapareceu
Aparece através de outros prismas
De outros olhares
Aparece no labirinto de palavras e histórias com objetos
E tento te reconstruir dentro de mim
Dia após dia
Tento te refazer
Traçar teu trajeto
Estar em tuas horas
Presente
Pensante
Te desenho com minha memória
E não esqueço, não consigo
Te desejo pois desejo a mim mesma
Refaço nosso caminho
Nossa pequena tragédia cômica - era uma piada de mau gosto?
Rimos de nós mesmos e depois choramos
Como crianças histéricas que depois de um ataque de risos ficam incontroláveis
Gatilhos
Lembranças
Sentimentos
Tudo misturado na exatidão de haver perdido o nosso tempo
A culpa já não é quem me assombra
É a tua própria sombra me cutucando e me dizendo pra parar de te seguir
Não venha atrás de mim
Não me procure
Me deixe lamber minhas feridas
Tudo novo, e sempre é
Tão fresco novo surpreendente
O que você queria, afinal?
Você teve que me falar
Aquelas coisas todas que também doeram em você
Mas mais em mim
Sem dúvidas, mais em mim
Porque sou assim dramática
E tudo toma uma proporção gigantesca
Que toda a tua razão derrete por dentro de mim como um ácido quente
Me destrói e limita
Quanto mais me vejo, mais pressinto
Que crio e destruo pelo prazer de ver queimar
Porque nada teria o direito de existir além de mim
Tamanha a vontade de controlar o que me escapa
Tamanha posse do mundo, tamanho rancor
Que inexisto se não souber que sofro por nada
Pra caber nos vazios que me preenchem
Não faço sentido
Não te vi, olhei pra mim
Pensei que uma coisa que me faz sofrer tanto não merece que eu me arraste por baixo da terra
Já basta meus pés cansados
Já basta o silêncio que pesa
Já basta o tapa na cara que é não existir
Me faço sentir pelo olhar distante
Que talvez nunca exista
Insisto na imensidão do mar como a cura para os males todos
Ou a desculpa que falta pra me abster do impossível.