sexta-feira, 17 de junho de 2022

O que seria a poesia

A quebra entre o que pode me machucar

E o que só finge que me cutuca.



Biblioteca

Nada pode ser infinito

Você acaba de ler todos os livros que leria numa vida, um dia.

Cometas tipo 1

Pretos cometas na sombra da testa

E o sorriso inverte o que os olhos provocam

Provoca provoca

Vai ver se eu não explodo na esquina.

Frugal

Olha com dois frutos bem pretos por trás da minha nuca

Deslizando a vontade pra depois da morte


Eu olho com fome pra comer o teu campo magnético todo

Comendo o teu corpo e digerindo na retina

Já sou o teu trejeito sério direto

Já sou fruta dentro de você

Passeando pelos dutos linfas veias 

Olhando tudo com atenção pra guardar no que invento

Um rápido documentário da nossa curta saga desaparecida

Real demais para ser esquecida

Vou continuar te comendo pra sempre

Até morrer de fome.



Uma pena

Nada mais importa

E que eu desapareça pelos buracos

Sumindo enquanto converso com as diversas projeções que espalho

Esboçando um universo autêntico

Louco, a loucura sempre romântica

Que não experimenta entender o que já escapou


Intimidade pública, eu sou uma autoridade explícita

Máxima capacidade de mentir o tempo todo que me importo

De parecer até pra quem não me sabe uma sumidade súbita 

Logo ela, logo ali

Com o olhar vago fingindo que não permite que tudo lhe atravesse

Como raios de estrelas cadentes furando a pele e o espírito

Transparecendo uma inteireza tão caída que amolece


O silêncio da madrugada como escudo

Pra não dormir com o barulho dos pensamentos cada vez mais agudos

Estarrecedor

Estou só com o tempo, que me acompanha no rosto muito de perto

Baforeja no meu pescoço e me enforca

A música que é senhora das minhas rugas e meus tormentos

Deve ser isso, virar fumaça

Se despedaçar o tempo todo

Ficar pelo caminho sem controle

Ensurdecer pois está tudo tão abafado

E é quente dentro do ouvido

Tem algodão, tenho certeza.


A tua leveza é tão sobrenatural

Você parece uma pena.



quarta-feira, 15 de junho de 2022

Domingo

De repente uma coisa fina tão sutil 

Pois não era uma mensagem

Sempre foi o vão que habitava nosso espaço

Pra você poder ter sua razão

Seu sofrimento, escrito e derramado em imagens miraculosas

Amuletos, galhos, gatos pretos

Uma colagem dos teus estilhaços

Dos quais sou só um troço

Um pedaço

Que sobra aos domingos pois é o dia mais triste.

A cidade inteira

Desde que eu gritei "não" e você gritou "NÃO"

Mais alto ainda

Bem sonoro pra toda cidade ouvir

Pra mostrar que o seu grito já estava lá 

Bem antes do meu

Parei no eco do berro

Ouvindo as tuas vozes repetindo não não não não

E gritando ainda mais agudo Não MESMO

Pra ouvirem além do teu 

Tudo o que era verdade na minha negação

Que você calou com nãos severos nãos

Incisivos, finais, conclusivos

Nãos mais fechados que abertos

Como se um não pudesse ter uma abertura uma passagem um portal

Pra o que quer que houvesse do outro lado

Um não mais colorido

Que meu ouvido captasse e quisesse interpretar

Um não talvez um talvez

Que não seja tão não que não se possa remendar


Mas ouvi ainda mais alto um não trepidar no céu do inverno

Cada vez que lançava meus todos nãos na possível visão que fazia da tua certeza tão precisa

Na espera da resposta ainda mais esgarçada de boca aberta que é mais um gigantesco NÃO sobre o parque inteiro

Nãos pichados na calçada no muro no mercado

Você colava cartazes cada vez maiores de não

Espalhava papeis pela noite caindo sereno frio e não

Eu gritava em intervalos curtos nã nã nã nã não jamais

Eu arrancava de mim os nãos que fiquei de te dar

De mãos beijadas nãos toma tudo fica com você

Assim ficamos quites e podemos seguir negando

Apostando

Pra ver quem grita mais alto 

Em silêncio

domingo, 12 de junho de 2022

Atenção

Não me encontro onde me perdi

Ali já não estaria jamais novamente nem que insistisse

Não sou um gato


Te ver revela o mistério

E me dá mais angústia ainda

Não querer e não querer te ver

Querer não querer te ver 

As vozes, a adolescente que grita e esperneia

Quer atenção

Quer ser compreendida

Ela só quer

Atenção


Ela quer bajulação

Que seja amada

Como ninguém poderia

Ninguém é capaz de lhe dar tanto amor


Ela faz falta 

Nela mesma

Ela some

Nela mesma

Ela desaparece e volta a aparecer na vida adulta

Ela nunca sumiu

Nunca foi embora


Ela está ali

Você, desapareceu


Aparece através de outros prismas

De outros olhares

Aparece no labirinto de palavras e histórias com objetos

E tento te reconstruir dentro de mim

Dia após dia

Tento te refazer

Traçar teu trajeto

Estar em tuas horas

Presente

Pensante

Te desenho com minha memória

E não esqueço, não consigo

Te desejo pois desejo a mim mesma

Refaço nosso caminho

Nossa pequena tragédia cômica - era uma piada de mau gosto?

Rimos de nós mesmos e depois choramos

Como crianças histéricas que depois de um ataque de risos ficam incontroláveis

Gatilhos

Lembranças

Sentimentos

Tudo misturado na exatidão de haver perdido o nosso tempo

A culpa já não é quem me assombra

É a tua própria sombra me cutucando e me dizendo pra parar de te seguir


Não venha atrás de mim

Não me procure

Me deixe lamber minhas feridas


Tudo novo, e sempre é

Tão fresco novo surpreendente

O que você queria, afinal?


Você teve que me falar

Aquelas coisas todas que também doeram em você

Mas mais em mim

Sem dúvidas, mais em mim

Porque sou assim dramática

E tudo toma uma proporção gigantesca

Que toda a tua razão derrete por dentro de mim como um ácido quente

Me destrói e limita


Quanto mais me vejo, mais pressinto

Que crio e destruo pelo prazer de ver queimar

Porque nada teria o direito de existir além de mim

Tamanha a vontade de controlar o que me escapa

Tamanha posse do mundo, tamanho rancor

Que inexisto se não souber que sofro por nada

Pra caber nos vazios que me preenchem

Não faço sentido


Não te vi, olhei pra mim

Pensei que uma coisa que me faz sofrer tanto não merece que eu me arraste por baixo da terra

Já basta meus pés cansados

Já basta o silêncio que pesa 

Já basta o tapa na cara que é não existir


Me faço sentir pelo olhar distante 

Que talvez nunca exista

Insisto na imensidão do mar como a cura para os males todos

Ou a desculpa que falta pra me abster do impossível.