segunda-feira, 13 de novembro de 2023

Riso

O riso aquoso e me acabo em sólidos desejos

A espera, o fim para um início

Penso que descanso mas quando vejo amanso

A fúria de me deixar fluir no tempo

A raiva com que me desencanto

A calma, teu espanto


Nada é tão confuso e certo 

quanto o cheiro que me seduz enquanto

Rodeio e creio tão isento

Teu rosto, teu riso branco



quinta-feira, 14 de setembro de 2023

Dados

Não posso te receber
Do que você não pode me dar
Não espero nada mais do que tudo que me dou
Me dou 
Pra mim
Que é quem mais me interessa

segunda-feira, 3 de julho de 2023

Solução

Vou jogar na lixeira

A palavra toda que te usei

Que eu era uma agora não

Sou entre meios de mim de que onde não era


Perdi minha dor

Onde foi que deixei acusada

Uma dor avassalada

Presa, num canto, ofuscada

Perdi o que tinha

E mais nada


Te dei um canto

Uma lôa

Uma aura de mil coisas boas

O melhor da minha sutil audição

O que olhei de você e captei

Te dei como quem sempre esquece

Que ver nem sequer se parece

Com a clara lembrança da aurora

Com os mil pesadelos de agora

Com a nua e real solução


Te dei e daria pra sempre

O que já não existe e não sente

A metade da minha enchente

A vazão do meu sim e meu não




Torre

Como te atravessar, nadando
Achando o meio do fio ao que você já desiste
Tentando
Puxar cada vez mais forte
A corda arrebenta em cada balanço
Eu, primeira
Pra me desbotar inteira em febre e ranço
Descanso
No viço aquoso do teu pranto-encanto
Me dá de beber, me aquece
Que despenca em vício o teu santo ofício
Despede
E ao rugir do início me excede

Segue

Pra fingir auspício, me pede
E não perde indício
Me fere
Sem calor, sem risco
Me fere
Sem sabor, é isso
Me fere.



segunda-feira, 19 de junho de 2023

Travessia

Apontar para o fim 

Remando uma estrutura flácida de sonhos líquidos

De amores desfeitos

De tempos derretidos


Sou uma pedra, sempre fui

Trincando com a cabeça uma parede armada pra me conter

Cabendo até demais

Caindo


A escrita me salva do afogamento 

Me agarro e respiro pra olhar além de mim

Pra dentro

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

Administração do caos

Sentir a queda com todas as suas vidas no percurso. Virar chaves e me permitir sentir. Definir em cada passo a próxima paisagem, escolher para onde olhar, assumir o total controle dessas escolhas. Em cada momento sou manipulada pela força das minhas experiências do passado. Se me deixar ao sabor do vento, também terá sido uma escolha, fruto de uma intenção, vontade de movimento. A transformação é que nos move, a entropia das possibilidades, a administração do caos. Esperar nada mais que o inesperado, a surpresa, mesmo que isso nos custe a falsa impressão de controle total. No fim, posso controlar tudo, já que tudo é inesperado. Não existe o imprevisível, porque tudo pode acontecer. De repente, o se, de repente, o tudo, o turbilhão, a calmaria logo após. A vida é tediosa, na maior parte do tempo. Manter o fascínio, quando o incerto escancara seu jogo de luzes e ilumina o que estava oculto por trás do corriqueiro. Descortina a mudança, os saltos, as revoluções. O que nos afeta é o que nos move em direção da eternidade, que nada mais é se não momentos. Aproveitar uma eternidade passageira. 

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023

Serpentinas

 Quem me chega

De repente, sem aviso

Em sobressalto pra pular o que transborda


É tudo exercício

Todo salto que dou é uma volta a menos

Sobre o hospício

O início 

Final do precipício


Estou sempre em queda livre

Pra te olhar de cima como em declive

Escorrego pra longe

E você não volta


Deve ser bom, assim

Um ano durar essa vida inteira

A vida cabendo na tela fosca

A sujeira

O óbvio dos medos, despencar da cadeira


E ainda ver você chorando numa cama em quarto escuro

Nos exatos tempos - tempo de ser triste, tempo de sorrir

E se aferrar ao tempo como quem se entrega à explosão

Pois já não tem mais nem escombros pra sobrar depois


O que sobra é um fiapo de carnaval

UMA ALEGRIA IMENSA

Um planeta, apenas

O que sobra disso que chamei nós dois.

Disciplina

Silhuetas dançantes do além-nada

As sombras vazias de sentido

Como eu, achando que sou os outros


Como não me poderia ser?

Se a dor maior é não sentir dor?

Amar desacreditando

Fingir escárnio

Ao me ver novamente crucificada ao acaso

Mortificada pelas centelhas-línguas-fagulhas

Que lambem ao serem atiçadas

Como eu, que me atiro ao fogo

Sempre e com toda diligência


Nisso estou segura: ser disciplinadamente auto-destrutiva

Um caminho frutífero hacia la muerte

Jamais preguiçoso, totalmente isolado


Onde ousei expressar a minha separação em pedaços

Meu íntegro processo de dissolvescência

Já que ninguém me cura

E não quero ser curada

Prêmio

Hoje te vi em outro rosto

Numa expressão que não era tua

Mas que você inaugurou no meu mundo

Toma aqui, teu reconhecimento

Cheguei tarde

Bem a tempo de não ver você sumir

Foi melhor

Assim, posso acreditar que quem partiu 

Fui eu

Me separar da tua ausência

Foi uma das minhas piores curas

 Escrever até rasgar o presente