terça-feira, 24 de dezembro de 2024

Rastro

Do amor só tenho a incerteza

Saber que posso cair a qualquer momento 

No abismo ruidoso do meu próprio silêncio


Olha pra tudo isso, vê como você faz parte

Vê como o mundo te contém e, ainda assim

Você pode achar que é algo separado de si mesma


Vê como, num piscar, tudo pode fazer sentido ou não

Tudo pode existir apesar da sua insistência

Ou nada pode mais ser visto se não pelo olhar da sua consciência eterna


Eu existo?

E se aqui for o inferno

E se escolher e viver conforme as escolhas for a lâmina do destino

A faca afiada que corta a minha alma em mil

E me faz viver múltiplas realidades ao tempo do tédio


Tudo pode ser comum

Tudo pode ser extraordinário

Basta fechar os olhos, morrer na ilusão de ser tudo tão grave

A ponto de nada mais importar de tanto que tudo importa

A ponto de explodir, ebulir, exorbitar


Até que me pareço com a imagem que criei, a semelhança

Rapidamente volto ao mero acaso de ser flexível com a vida

Pois só escrevo mesmo sobre o que não existe.

domingo, 8 de dezembro de 2024

Chão

Tenho a impressão
O silêncio grita a expansão do pensamento
Sou tanto que nem pouco acho 
A vida
A manifestação da vida
A festa
A celebração
Manifesto a luta por subir no alto de minha própria cabeça
Entrego cada momento ao acaso resoluto
À minha perfeita ausência de certeza
E o que sinto, compreendo, entendo
Olhando por dentro dos labirintos esfumaçados da calma
Do vazio
De mim e dos outros

O afeto que transborda
O amor que me liberta
O amor pelo mundo, o amor pela vida
Sinto tanto, que tanto sou
Pressinto o medo, a angústia
Todos eles enfileirados e prontos pra me agarrar com delicadeza de cão
A vida torta reta obtusa esguia
Que esgueira seus esquecimentos entranhados em célula
Sou partícula, breve, fugidia, já fui
E me encontro novamente aqui, nesse fio
Onde sei que me permitem errar quase sempre
E quase nunca me desconheço por completo

Pressinto-me fúria, uma raiva incontida
Uma dureza que eleva, uma flecha que cura 
O movimento, reto, direto, certo por vias aéreas do fluxo da mente
Mato e reacendo a chama do que sei que existe em mim de arte, controle, pureza, dom
Mas sempre alerta, olho aberto, cara limpa e sorriso franco
Só assim me enterneço com a doçura que carrega um espanto
O susto que me acaricia
A porrada que me desperta pra uma nova linhagem de sonhos
Num respirar profundo
Um sopro, um chão.

terça-feira, 19 de novembro de 2024

Narrativa

Tem sonhos que só consigo interpretar sonhando

Ou criando a narrativa insólita e resoluta em palavras pálidas

O sonho é a poesia sonhada, a carne lavada em sustos o suor pingando

O escarro da morte em flashes conexos

Que tudo é conexão

Sempre um elevador

Sempre um banho

Sempre uma vida inteira pra não entender

E o que não entendo e faz parte desse engodo

Da loucura por detrás do surto mágico

De estar viva e ao mesmo tempo sonhando

Com o eterno cravado na distância das horas

O eterno e a eterna solidão 

Um silêncio gigante, em tudo entendo

Que o som é o abrigo, o peito, a ferida - o portal

E só a resignação, suave, atiça o efeito da loucura do destino

Banho

Fora da órbita do desejo

Aflora uma espécie em extinção

A fagulha que apaga por detrás dos olhos úmidos

A lente do desprezo

A mira que dispara pressas

A mente que enlouquece e os entes que atravessam sonhos


Enlouqueço

Como quem padece um sonho ruim e cresce

Aos olhares de tudo aquilo que já se esperava

Da minha insanidade e o que resta são rastros

Molhados restos arrastos pela louça química

E o encontro

O suave encontro com a vida que foi


Libertar do passado deve ser assim, loucura

segunda-feira, 11 de novembro de 2024

Líquens

Escorregando numa emoção esverdeada

Lá vem a minha queda anunciada


Infrutos

Me afasto de mim procurando
A chave que abra de volta
Teu mundo que invento no espanto
Num susto o que vi por enquanto

Sou toda ouvidos, no entanto
E cega ao teu grito, abafando
Num ato de fúria, o encanto
Perdido na noite sem rota

Procuro e não sei porque tanto
Que ainda o silêncio me corta
E a mim continuo voltando
Num ato de amor sem revolta

Em dentro de mim não estando
A chave não é o que importa
Se faço da dor o meu manto
Me agarro à procura mais torta



Preciso só escapar da distância
Olhar por dentro, saber
Se é o teu coração uma coisa tão linda
E eu assim uma coisa tão incerta

domingo, 19 de maio de 2024

Procuro o que é constante em minha vida. Tenho entendido que a falta é a única que não me abandona, em todos os momentos. Sinto um vazio terrível, o mundo horrível, as pessoas presas, eu mesma presa a essa falsa liberdade. Olho pra dentro e tudo faz sentido, a falta, o medo, a prisão. O medo de não agradar, de ser ignorada, de ser subestimada. Ou superestimada. 

Dormentes

Deixar você sumir

Encostar na pele tudo o que eu não disse

Me cobrir do perdão que não te ofereço

Me aninhar na prisão do desvelo


Flores, intactas

Quanto ao vazio - indico que sou eu mesma

Nasci e desde sempre enlouqueço

Que voltam à memória meus sentidos dormentes

O passado não me consome, mas dele me alimento



domingo, 10 de março de 2024

Oxigênio

Movimento em ondas, fluxo, impermanência

Experiência da consciência

Trago em mim o universo e aprecio a paciência com que o tempo me maltrata


Calma, me despeço em cada instante

Cada eu no entremeio, sempre aflita e sem receio

Sirvo ao meu comando e ao meu sabor de seguir viva

E levo 

A cada segundo meu corpo, dou um passeio

Peço mais alma, de tudo pra encher meu copo cheio

Leio

No universo meu livro até o meio

Na palavra, destino e devaneio






quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

Bonsai

Amar a solidão como quem ama o amargo do seu prato preferido. A solidão, a impermanência dos momentos, a dissolução da razão que teima em antagonizar tudo: sentimentos, sensações, pensamentos. Nada é tão duro que não possa ser imaginado, nada é tão absurdo que não possa ser escrito. Até um certo ponto, isso se limita apenas ao caos que transforma tudo em tempo. Antagonizo e dissolvo minha linguagem no caos. Comemoro a existência silenciosa da multidão em mim. Múltiplas, a celebrar e vida num ritual de resistência, camadas de barulho e muita palavra, quando só o silêncio comete o maior crime passível de ser perdoado, o de existir em tudo sem ser anunciado.

Telescópio

 Vou te escrever até você sumir. Sempre o melhor termômetro pra medir o tamanho da dor. Quanto mais escrevo, menos dói. Por isso, gasto alguns metros ou quilômetros de palavras só pra poder te ver indo embora, devagarinho, despovoando a minha mente. Você leva a sua trouxinha no ombro e me deixa cada vez mais tranquila, só, com a única trilha por onde posso caminhar. Meu olhar avança através do espaço e o seu rastro enquanto se afasta é o que mantenho de vida, meu olho treinado pra te ver cada vez mais longe e o percurso cada vez mais longo. Assim, você também vai ficando pequenininho, até caber numa leve coceira, uma cócega de melancolia que se esvai com um sopro mais profundo ou apenas um piscar de olhos, sorridente ou não. Quanto a isso, a escolha fica comigo. Tudo pode depender do meu foco.

A mudança

 Aprendi a soltar quase como um vício. Usei o desapego pra não sentir tristeza. Fui diretamente para o lado da indiferença total. O meio é tão difícil...sofrer como quem ouve uma sinfonia, sorrir como quem sente dor. Talvez um jeito seja nem anular, nem se identificar. Observar. Como quem observa os personagens de um filme sem confundir suas histórias com a realidade. Viver os sentimentos, mas entender que eles são muito mais sintomas do que sentenças. Sigo voltando pra esse lugar obscuro, que me desafia sempre a observar com olhar relaxado. Só olhe pra isso, deixe ser. Vai passar. Enquanto não passa, aproveite o caminho e tire bons frutos na beira da estrada. Mesmo o pior caminho te leva pra algum lugar. Talvez esse seja apenas mais um passo no longo percurso de se amar. Se amar requer coragem. Muito mais coragem do que fé. Vai passar. Não tenha pressa, a ansiedade só vai fazer a dor durar mais. Enquanto doer, será um sinal de vida, de movimento. Enquanto for prazeroso, também. Tudo muda, e essa é a única verdade possível agora.

segunda-feira, 29 de janeiro de 2024

Navio

Comecei um novo projeto: não me proibir de ser impositiva. Controle a sua língua, a sua fala, aprecie a bela miragem. Tudo passa na minha frente como um filme e sou protagonista e atriz. O filme fala do tempo. O filme fala de futuro. O filme fica no passado. Passou.

Um dia eu vi um filme - passava no tempo e ficava nos dias. A música também fica nos dias, ela muda, eu mudo. O melhor de dois mundos, eu e meu filme, a trilha também compus. 

Sair da mente pra cair no fio da escrita - tinha quase esquecido da âncora que me sou capaz de tecer.

Ainda sei.

Sentir.

Por um momento achei que não sabia, ou achava que sabia mas não sentia, ou sentia que sabia mas não achava. Tudo é questão de se perder.


Movediça

Acordei hoje, parece que ainda é ontem.

Quantos dias cabem em poucas horas?

Sem consolo, mais um amor que nasce pra se apagar, o fluxo da vida acontece, já foi, ainda é. 

Não me agarro, me seguro só ao que me é impermanente pra assumir as rédeas do descontrole.

Passo de um ponto a outro no mesmo instante, instável areia movediça que só me joga pra fora de mim. O tempo todo preciso voltar. Preciso andar voltando.

Força centrípeta, luto com forças pra não ficar tão longe do centro, sempre esperando mais de mim e mais do que me conheço. Sei que tem dor, dói, deixo doer à beça. Como não deixar doer?

Deixa. Só me deixa doer. Logo passa.

Sei

Ainda sei sentir