De que fala esse novo medo, a qual grito me expõe? Novo, mas conhecido, me sinto inteira pesada pela terra que me cobre. Aqui ele já esteve, mas eu era outra, então. Tinha ferrugem nos olhos e agora só vejo o que brilha, no escuro abraço forte a vontade de não sentir. O que escrevo não tem final, não fala de mim, mas tenho a fome de mundo de quem escapa pelas laterais, fugindo da miséria de uma razão descabida. Desavisada, sou acossada por ele em formatos geométricos e distintos, cores vibrantes, o medo numa cápsula de vitamina. O medo incorporado à rotina e dentro dele a coragem de admitir que sou tão pequena. Uma pequena angústia, uma minúscula dose de veneno. Tão mortal quanto um sonho triste. Nesse sonho, acordo sempre com um medo exato, uma vontade de correr pra longe do que me enxerga com uma certeza abrupta. Não quero ser entendida. Quero fugir para dentro do medo e lá ficar cega, sem poder ver o que me assusta.
quarta-feira, 30 de abril de 2025
segunda-feira, 28 de abril de 2025
Memória
Vou beber a cor que ilustra a minha apagada memória
Transfiguradamente me esgueirando entre as pilastras decaídas do não
Afirmo que não sei mais o que me trouxe até aqui
Nem mais para onde iria
Se não fosse o esquecimento
domingo, 20 de abril de 2025
Sentença
Ninho
sexta-feira, 18 de abril de 2025
Anzol
A minha suave angústia, às vezes não é suficiente. Preciso espalhar os ramos da árvore, essa árvore impenetrável do caráter que me extravasa, são meus frutos - quem posso controlar? Recalcular os rumos do pensamento, o tempo todo, me pescar. Jogaria o anzol mil vezes se fosse preciso, ainda estou tentando, mas me escapo sempre que algo me atravessa com lentidão azul, uma massa imensa do fascínio a que eu mesma me exponho, sou fanática por testar as probabilidades. Até o sumo preciso extrair, de uma vida esparramada em galhos folhas flores relações paridas ou cortadas por um aço translúcido sem nome, eu me vi por dentro, eu me pari. Sou uma força marrom e verde e estou por dentro de mim. Penso demais, exercito a servidão à negação de tudo, questiono o questionamento no momento em que ele me pinça com garras de rapina e, mesmo assim...me entrego somente ao que me parece lúcido, e lucidez demais também ofusca. De qualquer forma, imprimo no olho do instante o que me cabe ser, sendo percorrida pela seiva do cansaço. Um cansaço de terra. Um peso necessário. Preciso ser aleatória demais, penetrar demais, grudar demais nas paredes limosas do escárnio - eu não rio, porém. Levo tudo muito a sério.
quarta-feira, 16 de abril de 2025
Cartas II
Acordada demais para fechar os olhos na penumbra. Espantada demais para naturalizar uma saudade. Saudade rígida. Rígida demais para amolecer o cansaço, cansaço virando névoa. Não me entrego e renego tal fuga do domínio do presente, me enlevo. Os pés embaixo da terra, lenta, precisa. Preciso dos espelhos da tua retina. Me atiro na falta que eu mesma me faço, preciso de mim para não existir dentro. Caminho sobre as pedras quentes da tua angústia e tenho medo de ser fim. Não quero teu desgosto com sabor de rícino, rotina sem direção, desencontros sublimes e fantásticos. Desencontrar é romântico demais.
Te escrevo uma carta sem final.
Nela te digo: quero te prender no limiar do abismo, entre a certeza e dúvida doces, sempre e total. Quero trêmulo te permanecer, faísca - te desonero da culpa de escolher, do mal de me entregar volátil. Você aguenta o meu amor? Sou pesada vagarosa, como um sol nascendo e te acompanho sempre de longe, lá onde meus olhos já não são infernos e nem boca que exista para me transpassar. Transpareço (lívida) a divina impressão de te agarrar, pendurada num arame e, de lá, te absorvo nas minhas profundezas sem preparo. Te amparo, como aranha bruta que provoca a sua presa. Já é de manhã, estou viva.
segunda-feira, 14 de abril de 2025
Estandarte
sábado, 12 de abril de 2025
Som
Pra que servem tantas palavras
Se na calada da noite é onde mais ouço o estardalhaço das estrelas?
…
Me cubro de silêncio quando a linguagem faz frio
terça-feira, 8 de abril de 2025
Uma tela invisível
Cartas
domingo, 6 de abril de 2025
Atrito
Um modelo pra seguir, ela logo pensava. Uma forma de contato com seus ossos, estúpida camada de certezas. O osso é um tecido tão denso estruturado, uma teia de minérios e a vida mesma, ele não é plástico. Em estando na terra, volta como se nada - de forma muito lenta, abnormal - certo mesmo são as pessoas. E as pessoas são erradas sempre, uma forma de invenção. Castelos de cartas, emaranhados móveis da moral e do bom convívio - a gente precisa dos outros e os outros são obstáculos (se viver fosse lisura a gente escorregava pra eternidade). Mas, voltando aos ossos, eles não têm liso, são feitos de buracos. E é o oco quem carrega tão cheia coisa de se mover. Aí eu caio em perigo: dependendo do olhar, posso ser dura ou flexível. Não sigo as regras mas me atrito conforme a palavra, semovente e sub-reptícia fugindo da estreiteza e do medo. Ou encarando mesmo de cara na frente seguindo a recompensa. Pois bem, me incomoda a ligeira fraqueza das articulações, o medo é estar enjaulada na extensão infinita de uma dobra sem volta. Algo me diz que preciso confiar na inteligência do corpo.
Breu
Tentar ver no escuro, tateando versões do impossível.
Gosto de falar do impossível, ele sabe a futuro.
...
Na caverna, sob a luz minguada da ideia
Se pode ver o que não sabem os olhos: a minúcia da pele.
...
Por quem os sentidos se desdobram?
quinta-feira, 3 de abril de 2025
Colírio
Um dia, me fiz bem pequenininha. Assim, pude caber em gotas, ser derramada em doses homeopáticas no teu olhar gigante. Lá dentro, desintegrada, juntava os fios cortados de quando a boca se fecha em pedidos e súplicas - fique, aqui vai ser bom, aqui eu te mereço, aqui já estivemos em tempos antes de nascer, aqui inteiros. Por dentro da retina naveguei, descobrindo no meu reflexo de lágrima o que nos afasta e nos reprime na inocência de gostar: apegos, sentidos, suspiros, saudades. Ali uma vez já tinha sido, mas seria novamente tanto e quanto o olho precisasse, o incessante piscar de cinema movediço mas na verdade está parado - o filme todo uma grande imagem estática. Quem assiste não quer saber do meu tamanho, da minha idade, de como cheguei até ali - só quer a certeza de que ainda mergulho ou trafego ou respiro por entre a fina camada líquida esperando a hora de chorar - choro sempre que o corpo me inflama, desejo ser grande de novo, então. Fui crescendo e por dentro sentia um transferir de almas, já não era mais átomo, Deus, partícula, movimento. Já era você de novo, sentindo através do meu olho a sensação de goteira, meu olho embebido na mágica. Era eu quem me olhava de longe.