domingo, 22 de junho de 2025

Céu

Estar humana às vezes me aturde
Mas, na maioria das vezes
Me enche de graça e vontade de não pensar

Estar humana me faz dormir tranquila
Já que posso deixar de estar a qualquer momento
E não poderia me agarrar a nada
Que pudesse me salvar

Estar assim, serena e só
Me faz não duvidar
Que meu estado natural é o silêncio
A contemplação do céu
O pensamento solto
A ideia livre
O esquecimento


terça-feira, 17 de junho de 2025

Desenhos

Observo a forma como me movimento entre os outros e percebo, sem surpresa, que sou uma serpente. Nem sempre venenosa, mas com uma força no ventre que pode engolir uma cidade inteira. A vida me exige um tanto de paciência comigo, mas é cansativo ter que me arrastar o tempo todo. A natureza é sábia inteiramente e eu não sou uma natureza completa, só posso conter uma frágil fração do universo que ao mesmo tempo está em tudo. Sou também um jardim com todas as suas micro diversidades de terra e sais minerais, e dependendo da estação do ano tenho o solo mais rachado mas, ainda assim, às vezes nascem uns verdinhos aqui e ali. A serpente no jardim pode simbolizar algo que sempre está ali em em meio à cor vibrante das flores, é profundo e misterioso, mas convive em harmonia com a superficialidade. Gosto de símbolos e dos contrastes que eles evocam. Me lembra que tudo pode ser interpretado.

Precipício

Ainda sobre verdades, pretendo espalhar meu corpo onde for para encontrar os limites do que se pode fazer. Nada que me digam pode conter minha experiência tátil. O que pode querer dizer: se todos dizem que cair do precipício será fatal, nunca vou acreditar. Vou lá e me atiro, ganhei uma verdade experimentada, a de morrer pela força da gravidade. Ainda assim, tudo pode ser inventado e ludibriado com o uso da linguagem, esta grande ferramenta de desdobramento da realidade, ilusionista da culpa e produtora de infinitos pensadores e filósofos que não chegaram a lugar nenhum. Rodando sobre as próprias cabeças, criando uma falsa sensação de evolução. Ok, vou parar de escrever sobre o que não conheço. Mas voltando aos limites, pressinto que algo está sendo revelado o tempo todo com a vida, seu próprio peso ou leveza, sua forma subliminar de mostrar que não temos controle sobre nada, mesmo.

Armadura

 Ainda sou a mesma, soterrada em camadas da sujeira minha, humana mesmo. Preciso desenrolar de novo o novelo que me sufoca e lentamente orientar a visão para um presente possível. Respirar, atacar a glória da autocomiseração como quem guerreia de espada contra um inimigo siamês. 

Húmus

O que o espelho da noite revela

Na sombra lúcida de um sonho desmembrado

Me encontra já viva, sem saudades do que sou


Relembrando o tempo que me nutriu de incertezas

E calçando de novo pantufas cor-de-rosa

Recebo uma revelação como quem ganha um pirulito

- Me dá, preciso do teu veneno açucarado, tua língua de ferro que me excita e humilha


Recebo o tapa na cara e, logo

Pouso sobre uma folha gigante chamada certeza

Minha nova certeza, novinha em...folha

Sobre quem vou flutuar mais um pouco

Até cair no chão da floresta

Apodrecendo


Quando tento engarrafar o que sinto, as águas do mundo escapam pelos fundos.

Redoma

As grandes revoluções são, antes de mais nada, feridas internas. O que nego hoje pode ser minha grande verdade de amanhã, por isso preciso me agarrar à libertação que é enfrentar a mim mesma. De frente para os outros e diante de mim, tendo como fundo e sustentação essa excelente redoma gigante que contém todas as mentiras do mundo, encarar a perda do controle da própria vida antes de afirmar qualquer dogma universal. Ser minúscula perante as minúcias que cada sentir individual pode conter, mas não se deixar seduzir pelo autêntico auto-engano de não saber que, mesmo que eu minta trinta, quarenta, sessenta milhões de vezes, nunca poderei fugir da lisura do tempo que revela o mecanismo de ação-reação. Os acontecimentos podem me atropelar, ainda que eu me levante e diga depois, gritando a plenos pulmões como quem pede socorro numa rodovia vazia, que a culpada serei sempre eu. Na lógica da construção caótica que faço da minha compreensão medíocre do que são relações e de como devo me comportar, nada nunca será fácil, muito menos conclusivo. Mas isso, também, pode ser uma grande verdade que me escapa.