domingo, 28 de setembro de 2025

Exílio

Como descobrir um segredo há tanto escondido
É que se desvelam as ondas da vida em seus súbitos descaminhos
Tudo pode virar numa fração de segundos
A história que jamais seria contada em toda tragédia humana
A história de um ser, em suas sensações inteiras e impermanentes
Comendo, sentindo, voltando aos mesmos lugares e sendo tantos outros ao mesmo tempo
Sentir é como viver um passado permanente, alegre e triste, concreto e imaginário
Na mescla concisa que é e pode ser a morte, para tudo o que um dia já provou da vida
E, se tudo morre, não há porque não evitar a ilusão de ser eterno
E seguir inventando um tempo, um espaço, um pensamento
Eu penso com meu corpo e meu corpo me pensa, eu existo e me invento
Mas sou também o que preciso neste momento
E preciso viver porque amo ou amo porque vivo ou vivo porque vou morrer
Mas tudo faz parte da grande pergunta e grande resposta dadas, a vida na sua incompletude, a incerteza do agora e do que foi
Agora já foi, mas o que será nunca chega
E só posso vislumbrar a sombra do futuro quando me assalto na comparação do que já vivi
Então, posso esquecer de tudo 
De qualquer coisa
De qualquer fato
Se ao final e começo me agarrar ao que acato como lei
A própria geração da vida nela mesma como um fim, como um fogo que se alimenta e brilha até se consumir, a natureza na natureza própria da transformação
A guerra que consome o mundo e os devoradores insaciáveis da alma do sentido do tempo
Esses cuja única fonte de poder são as nossas tristes consciências perdidas
Erráticas como os insetos em volta da luz quente que os liquida
Mas que mesmo assim retornam ao que nunca deixaram de ser, tudo
E, se também sou tudo, nada me cabe
Pois já estou completa, lotada de falta de sentido exato
Exilada




segunda-feira, 22 de setembro de 2025

Explicação

Presumo um calafrio uma calmaria atrófica uma simplicidade na resolução de tudo
Tenho facilidade com essas coisas de invenção 
Sempre achei monótona a exigência de que tudo tenha que ser comprovado admitido permitido concluído analisado
Deve ser para que eu possa entender que me conheço um pouco
Deve ser o pavor de não ser nada
Deve ser a fuga quase perfeita da lisura de um erro fatal

Quem sai inventando essas coisas por aí pressente que tudo já foi inventado antes
Então não há porque ter um medo tão agudo, tão formal
Sou perpetuamente irresponsável por tudo o que já inventei
Então ainda não preciso me provar que estou errada


domingo, 21 de setembro de 2025

Auto-lembrete

 É tudo invenção

Acerto

Venho aqui devagar, como escutando minhas necessidades fisiológicas. Elogio por dentro quem não tem crises, quem vive a lisura de um exato contentamento. Ninguém vive assim, ninguém pode ser tão avesso à vida. O que pretendo comigo é um acordo nupcial: caso-me comigo se entendo a imperfeição fissurada do acerto, a soberana crise de existir. Dou voltas e voltas e sigo vivendo, mas posso morrer agora pois estou atrelada à vida como um líquen na pedra. Fisiológica, mesmo. O corpo me dita a raiva de devolver o medo ou a doçura de me envolver com o insondável. Tudo pode. Posso impor limites mas a vida sempre é quem vai me dizer até onde posso ir. E não tenho limites enquanto estiver contemplada por minha própria vontade de crescer e explodir. Explodo em jorros e já não sou matéria, nem tenho saudades da minha casa. As separações são inevitáveis assim como a terra o tempo o pólen e vida e a natureza. A natureza é inevitável.

Tirania

Me atirei de encontro a um estado seu
Ridiculamente errado e enquadrado num vazio de cores
Preto no branco, não insisto em saber mais
O que vejo já foi o suficiente para saber 
Que desprezo o jogo de vítima e ladrão

Prefiro a irritação de não me perder no engano dos outros
Prefiro a poética irritação
Do que ser engolida pelo discurso errático sem sombra de dúvidas
Um labirinto de esquemas bem desenhados
Onde sou algoz e vítima
De um trágico desinteresse pela vida



Suportável

Invento uma importância quase lúdica ao que não me interessa
É fácil ser criadora de uma realidade, quando penso nisso é tão rápido que o mundo me devora

Os flashes de uma vida infinita, não sei se vivi ou sonhei
Mas não importa, também não sei se estou vivendo ou sonhando agora
Vivo a loucura, a morte e a dúvida
Vivo tudo o que me faz mergulhar na minha própria insignificância aterradora
Sim, pois ser terrível quer dizer comer o mundo antes que ele me engula inteira ou em pedaços
O aterrorizante de ser contra aquilo que me afasta de mim mesma
Prefiro o atrito, a dor
A uma calmaria de negação do quão insuportável é viver.