quarta-feira, 4 de maio de 2022

Extenuar

 Acordo de madrugada e nada mais faz sentido se não escrever

Sinto que silencio a mente quando provoco as palavras

Elas saem e algo dentro de mim se destrói

Pra talvez voltar com outros nomes, mas ir embora também

Desfazer-se delas mesmas, as palavras fogem aos sentidos

Alcançando algo que elas não trazem já na sua essência - a vida gigante que as ultrapassa

Sem palavras, volto à vida, ela mesma

Sendo algo inexplicável e incoerente

Pois nada supera o silêncio da existência em si mesma


Atendo às minhas próprias exigências

Sempre com muita razão, muito zelo

Cuidando de cada passo, tentando ser sempre mais para os outros

Menos para mim

Que sou algoz forte com cara de anjo

Uma angelicidade infinita

Um eterno - você é o que quer - dentro do que eu queira - e do que os outros esperam?

Amarrar-me a mim mesma

Novamente, pelo calcanhar

Que é mais difícil de alcançar, de qualquer forma


Nada mais me observa, por sorte 

Já estou só nas palavras, após tantos anos

Finalmente, uma intimidade própria

Um descompromisso sincero, até onde caiba

Pois depois que eu for nada mais importa

E qualquer um pode dizer o que quiser com elas

Ou com o que elas já significaram um dia


Tudo morre

Pra onde vamos, depois? 

Talvez para uma lembrança infinita de tudo

Ou um esquecimento total e abissal

Onde nem sequer se sabe que se esqueceu

Como agora

Pois me sinto esquecida, sempre atrás do que sou

Ou do que quero ser

Desejo

Impulso

Pulsão

A vida ela inteira

Quero sentir no corpo

O tempo 

A alma

Tudo junto


Não perder nem um gole da vida mesma

Sorver até o fim

Viver para tomar

Deliberadamente, beber

Chupar, extenuar a vida toda

Queimar e arder

Enquanto isso, viver


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