Parece que quero expressar algo mas não sei o que é. Será que tudo o que a gente escreve se torna realidade? Se a gente imagina, se a gente pensa, aquilo é real, mesmo que não pareça. É material na medida em que a realidade é etérea e volátil. Como tocar a realidade? Os sentidos nos enganam, o que é doce para mim pode ser azedo para outra pessoa. Então o que é real para mim pode não ser para outra pessoa? A gente se prende em celas imaginárias, e isso nos imobiliza como se as grades fossem materiais de fato. Uma prisão interna que nos deixa imóveis, sem poder de ação. Como se a prisão nos desse alguma segurança. E quando nos obrigam a quebrar as grades? È liberdade compulsória. Somos reféns da nossa liberdade. Quero enxergar as grades que me limitam.
Não preciso escrever ou pensar grandes verdades. Escrever é uma meditação. Na escrita foco meu fluxo e percebo sua regulação, meus pensamentos indômitos tomando forma, mas um após o outro, feito uma fila indiana, uma sequencia, uma série. Os pensamentos abstratos se equilibram numa salinha de espera com chão liso e um buraco numa das paredes, se eles se agitam muito podem cair no túnel do esquecimento, onde há uma bifurcação que pode devolvê-los à salinha de espera, ou levá-los para o limbo do um dia talvez. E eu os observo. Já me acostumei bastante a esquecer de vez em quando, mas a prática costuma deixá-los mais calmos e serenos enquanto esperam a minha mão lenta e o meu corpo os colocarem para fora de mim. Isso aqui não seria também uma realidade estendida do que sou? Essas linhas fazem parte de mim. Será que quem inventou a escrita sabia do seu poder eternizante?
A humanidade é um grande organismo. A comunicação são as sinapses. Como posso pensar que sou sozinha? Sou parte de outras pessoas, sou tudo o que me rodeia. Me movo neste corpo mas não sou este corpo. Sou além. Posso estar muito além. Se a gente não consegue conhecer tudo ao mesmo tempo, deve ter um bom motivo pra isso. Hierarquias. É ruim sentir-se inferior, mas suspeito que isso seja um delírio humano - melhores, piores - como um ser que habita um corpo humano pode ser pior que o outro? Só o fato dele pilotar essa máquina-corpo já revela uma inteligência cósmica e espiritual grande, no mínimo. Como é que alguém habita um corpo? Nosso pensamento cristão também colocou grades no nosso viver, na forma com que nos relacionamos com o mundo. Nos limitamos ao que é "certo" ou "errado" sob uma perspectiva moral e julgamos as pessoas sob essa mesma perspectiva. Eu julgo. Me julgo o tempo todo. Como se houvesse uma régua que achatasse nossas possibilidades de ser.
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