sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

Administração do caos

Sentir a queda com todas as suas vidas no percurso. Virar chaves e me permitir sentir. Definir em cada passo a próxima paisagem, escolher para onde olhar, assumir o total controle dessas escolhas. Em cada momento sou manipulada pela força das minhas experiências do passado. Se me deixar ao sabor do vento, também terá sido uma escolha, fruto de uma intenção, vontade de movimento. A transformação é que nos move, a entropia das possibilidades, a administração do caos. Esperar nada mais que o inesperado, a surpresa, mesmo que isso nos custe a falsa impressão de controle total. No fim, posso controlar tudo, já que tudo é inesperado. Não existe o imprevisível, porque tudo pode acontecer. De repente, o se, de repente, o tudo, o turbilhão, a calmaria logo após. A vida é tediosa, na maior parte do tempo. Manter o fascínio, quando o incerto escancara seu jogo de luzes e ilumina o que estava oculto por trás do corriqueiro. Descortina a mudança, os saltos, as revoluções. O que nos afeta é o que nos move em direção da eternidade, que nada mais é se não momentos. Aproveitar uma eternidade passageira. 

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023

Serpentinas

 Quem me chega

De repente, sem aviso

Em sobressalto pra pular o que transborda


É tudo exercício

Todo salto que dou é uma volta a menos

Sobre o hospício

O início 

Final do precipício


Estou sempre em queda livre

Pra te olhar de cima como em declive

Escorrego pra longe

E você não volta


Deve ser bom, assim

Um ano durar essa vida inteira

A vida cabendo na tela fosca

A sujeira

O óbvio dos medos, despencar da cadeira


E ainda ver você chorando numa cama em quarto escuro

Nos exatos tempos - tempo de ser triste, tempo de sorrir

E se aferrar ao tempo como quem se entrega à explosão

Pois já não tem mais nem escombros pra sobrar depois


O que sobra é um fiapo de carnaval

UMA ALEGRIA IMENSA

Um planeta, apenas

O que sobra disso que chamei nós dois.

Disciplina

Silhuetas dançantes do além-nada

As sombras vazias de sentido

Como eu, achando que sou os outros


Como não me poderia ser?

Se a dor maior é não sentir dor?

Amar desacreditando

Fingir escárnio

Ao me ver novamente crucificada ao acaso

Mortificada pelas centelhas-línguas-fagulhas

Que lambem ao serem atiçadas

Como eu, que me atiro ao fogo

Sempre e com toda diligência


Nisso estou segura: ser disciplinadamente auto-destrutiva

Um caminho frutífero hacia la muerte

Jamais preguiçoso, totalmente isolado


Onde ousei expressar a minha separação em pedaços

Meu íntegro processo de dissolvescência

Já que ninguém me cura

E não quero ser curada

Prêmio

Hoje te vi em outro rosto

Numa expressão que não era tua

Mas que você inaugurou no meu mundo

Toma aqui, teu reconhecimento

Cheguei tarde

Bem a tempo de não ver você sumir

Foi melhor

Assim, posso acreditar que quem partiu 

Fui eu

Me separar da tua ausência

Foi uma das minhas piores curas

 Escrever até rasgar o presente