quarta-feira, 27 de março de 2013

Exílio

E são teus olhos os cães que enfrento. Alimento.
E é tua boca o deserto tenso. Suspenso.
E é teu corpo o exílio lento. Aumento.
E é tua alma que visito e penso.

Penso.


Café sem entulho

Abre-te aos olhos de um novo amanhecer que desponta
Olha e enfrenta, já é novo-sol ao início de nova vida
E tuas defesas já são ébrias ao sóbrio-novo-mundo
desejado, intenso, infernal...tão real quanto o absurdo

Abre-te os olhos, já és nova-hora, nova-escolha, nova-vez
E tudo o que te rodeia expira deságua e inventa
Tu, como preso ficaste ao que foi e morreu
sopraste o vento e vento ficaste, para sempre, em rumo ateu

Agora, sopra-te de volta
E volta-te à próxima dádiva
com tudo o que tens de antes
com tudo o que tens de meu.




sexta-feira, 22 de março de 2013

Próxima parada

Na Boca Maldita tinha um tubo
tinha um tubo na Boca Maldita
tinha um tubo
na Boca Maldita tinha um tubo

Nunca me esquecerei do meu pensamento
ao ver o tubo no meio da calçada
Nunca me esquecerei que na Boca Maldita
tinha um tubo
tinha um tubo na Boca Maldita
no meio da Boca Maldita tinha um tubo.

Ao presente

Você, que criou meu passado, conceda-me a permissão de esquecer. Você, que desejou meu futuro, permita-me a condição de ser. E apresento-me: como sou, é o que estou.

sexta-feira, 15 de março de 2013

Ruído

Assim, todo dia, eles se olhavam. Em parte porque se gostavam. Em parte porque estavam fatalmente atraídos um para o outro. Ímãs - não mais humanos.

Assim, todo dia ele lhe afagava a nuca e ela sussurrava em seu ouvido que nunca vira tão lindos olhos. E seus olhos lhe diziam coisas...ah! Como diziam! Via toda sua história ali girando, perdida. Ouviam-se, mas não diziam-se pois sabiam-se plenos no silêncio fatal. O silêncio - como um punhal. Arrebata os ouvidos e agride nos momentos mais sutis. O silêncio...precede as catástrofes, as explosões.

Em silêncio, seguiam amados e desdenhosos de si mesmos. Entregues ao abismo. Entregues ao amor.

Em silêncio, o que mais falava era a incredulidade de terem se achado, os dois. Por quê não o mundo inteiro? Assim, haviam achado o universo. Seria verdade? Ou apenas haviam achado uma chance de adivinhar silêncios, arriscando errar e no fim descobrir que achavam que haviam achado o que queriam?

Assim, também, achavam o tempo todo um motivo para não crer, achando que aquilo era real demais.

E achavam aquilo tudo muito estranho.

E o silêncio fugia, como eles, do ruído da vida.




Eis que...cimento!

Esquecer é a palavra
Esquecer a palavra
Esqueci
A palavra
Que ia
Usar.

quinta-feira, 7 de março de 2013

Álbum

E quem vive de lembranças, esquece de viver.

Quase indolor.

A lembrança no olhar só me faz olhar para dentro e perceber que sou sempre a mesma. A loucura ainda me ronda, como urubus rondando um boi moribundo. No entanto, minha presença agora é muito maior que a loucura: é a própria loucura, estampada em alto-relevo, em auto-sabotagens conscientes, em breves olhares para trás. É rápido, quase indolor.