domingo, 9 de março de 2025

Antídoto

Um dia me perguntaram
O que é o amor?
E eu não disse: o amor é um vento
Que passa quando a gente não está olhando
E leva o que a gente não está segurando

Eu não disse
O amor é a voz que eu não ouvi
Quando não estava dormindo
Porque estava gritando

Eu vivo não dizendo
Que o amor
É a bagunça da sala
A preguiça que estrala
E o silêncio que fala

Eu não disse
Eu jamais direi
Do amor eu não sei
Do amor me cansei

De tudo o que eu não disse
Um dia eu só quis dizer
O amor...
O amor é contraste.

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025

Era algo sobre a água, sobre ser água

Você não lembra?

Cinema

O susto inevitável de seguir a vida sem vida
A inconformidade, então é assim que acaba?
De querer explicar, querer gritar, querer voltar a todo custo
O grito surdo de acordar vizinho, o rodopio

O teto, a lâmpada quase apagada - então ela fica brilhando a noite inteira?
O remorso de ser incontrolável, o susto, novamente

Eu lembro quando você recitou aquele poema nosso, na tela branca no escuro, água por todos os lados inclusive dentro da gente por dentro
As gotas formavam a moldura da tua voz
E eu ouvia e me sabia dormindo, mas queria acordar pra te avisar que você tem um novo poema, precisa escrever e eu preciso ouvir
Tudo bem, a palavra também serve ao esquecimento, ao inconsciente, a tudo o que eu não posso tocar

Essa noite eu morri, e foi preto e branco.

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2025

 Sem limites, a vida impõe sua memória

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

Passado o terror de não acreditar em você, na tua existência

Passo a temer o pior dos males: o teu sumiço

Eu já escrevi e foi bom

Já tive essa ignorância


Inventário do sono

Não sou eu quem bate à sua porta com seus tratamentos formais e suas quantidades pesos e medidas, tudo exato

Tudo em seu lugar

Crescer, não importa a dor

Sentir, não importa o peso da vida

Tudo pode ser sentido

E eu sigo aqui, engessada na formal ideia que fiz de meu caos

No absurdo intento de revogar o poder do destino

Na falta de crédito que dou aos meus pequenos passos

Tão ínfimos, pequeno risco

Só um traço por volta da sombra das minhas mágoas, angústias

Afinal, pra que tanta angústia?

No fim era o caos, o medo, o sono

E tudo se voltava para o mesmo local, o medo, o sono

A fome de sentir o mundo por dentro, a pressa de contar vantagem sobre o tempo

Nada pode ser tão implacável, a terra come, a água leva

São só palavras, mas são palavras.



terça-feira, 24 de dezembro de 2024

Rastro

Do amor só tenho a incerteza

Saber que posso cair a qualquer momento 

No abismo ruidoso do meu próprio silêncio


Olha pra tudo isso, vê como você faz parte

Vê como o mundo te contém e, ainda assim

Você pode achar que é algo separado de si mesma


Vê como, num piscar, tudo pode fazer sentido ou não

Tudo pode existir apesar da sua insistência

Ou nada pode mais ser visto se não pelo olhar da sua consciência eterna


Eu existo?

E se aqui for o inferno

E se escolher e viver conforme as escolhas for a lâmina do destino

A faca afiada que corta a minha alma em mil

E me faz viver múltiplas realidades ao tempo do tédio


Tudo pode ser comum

Tudo pode ser extraordinário

Basta fechar os olhos, morrer na ilusão de ser tudo tão grave

A ponto de nada mais importar de tanto que tudo importa

A ponto de explodir, ebulir, exorbitar


Até que me pareço com a imagem que criei, a semelhança

Rapidamente volto ao mero acaso de ser flexível com a vida

Pois só escrevo mesmo sobre o que não existe.

domingo, 8 de dezembro de 2024

Chão

Tenho a impressão
O silêncio grita a expansão do pensamento
Sou tanto que nem pouco acho 
A vida
A manifestação da vida
A festa
A celebração
Manifesto a luta por subir no alto de minha própria cabeça
Entrego cada momento ao acaso resoluto
À minha perfeita ausência de certeza
E o que sinto, compreendo, entendo
Olhando por dentro dos labirintos esfumaçados da calma
Do vazio
De mim e dos outros

O afeto que transborda
O amor que me liberta
O amor pelo mundo, o amor pela vida
Sinto tanto, que tanto sou
Pressinto o medo, a angústia
Todos eles enfileirados e prontos pra me agarrar com delicadeza de cão
A vida torta reta obtusa esguia
Que esgueira seus esquecimentos entranhados em célula
Sou partícula, breve, fugidia, já fui
E me encontro novamente aqui, nesse fio
Onde sei que me permitem errar quase sempre
E quase nunca me desconheço por completo

Pressinto-me fúria, uma raiva incontida
Uma dureza que eleva, uma flecha que cura 
O movimento, reto, direto, certo por vias aéreas do fluxo da mente
Mato e reacendo a chama do que sei que existe em mim de arte, controle, pureza, dom
Mas sempre alerta, olho aberto, cara limpa e sorriso franco
Só assim me enterneço com a doçura que carrega um espanto
O susto que me acaricia
A porrada que me desperta pra uma nova linhagem de sonhos
Num respirar profundo
Um sopro, um chão.

terça-feira, 19 de novembro de 2024

Narrativa

Tem sonhos que só consigo interpretar sonhando

Ou criando a narrativa insólita e resoluta em palavras pálidas

O sonho é a poesia sonhada, a carne lavada em sustos o suor pingando

O escarro da morte em flashes conexos

Que tudo é conexão

Sempre um elevador

Sempre um banho

Sempre uma vida inteira pra não entender

E o que não entendo e faz parte desse engodo

Da loucura por detrás do surto mágico

De estar viva e ao mesmo tempo sonhando

Com o eterno cravado na distância das horas

O eterno e a eterna solidão 

Um silêncio gigante, em tudo entendo

Que o som é o abrigo, o peito, a ferida - o portal

E só a resignação, suave, atiça o efeito da loucura do destino