terça-feira, 19 de novembro de 2024

Narrativa

Tem sonhos que só consigo interpretar sonhando

Ou criando a narrativa insólita e resoluta em palavras pálidas

O sonho é a poesia sonhada, a carne lavada em sustos o suor pingando

O escarro da morte em flashes conexos

Que tudo é conexão

Sempre um elevador

Sempre um banho

Sempre uma vida inteira pra não entender

E o que não entendo e faz parte desse engodo

Da loucura por detrás do surto mágico

De estar viva e ao mesmo tempo sonhando

Com o eterno cravado na distância das horas

O eterno e a eterna solidão 

Um silêncio gigante, em tudo entendo

Que o som é o abrigo, o peito, a ferida - o portal

E só a resignação, suave, atiça o efeito da loucura do destino

Banho

Fora da órbita do desejo

Aflora uma espécie em extinção

A fagulha que apaga por detrás dos olhos úmidos

A lente do desprezo

A mira que dispara pressas

A mente que enlouquece e os entes que atravessam sonhos


Enlouqueço

Como quem padece um sonho ruim e cresce

Aos olhares de tudo aquilo que já se esperava

Da minha insanidade e o que resta são rastros

Molhados restos arrastos pela louça química

E o encontro

O suave encontro com a vida que foi


Libertar do passado deve ser assim, loucura

segunda-feira, 11 de novembro de 2024

Líquens

Escorregando numa emoção esverdeada

Lá vem a minha queda anunciada


Infrutos

Me afasto de mim procurando
A chave que abra de volta
Teu mundo que invento no espanto
Num susto o que vi por enquanto

Sou toda ouvidos, no entanto
E cega ao teu grito, abafando
Num ato de fúria, o encanto
Perdido na noite sem rota

Procuro e não sei porque tanto
Que ainda o silêncio me corta
E a mim continuo voltando
Num ato de amor sem revolta

Em dentro de mim não estando
A chave não é o que importa
Se faço da dor o meu manto
Me agarro à procura mais torta



Preciso só escapar da distância
Olhar por dentro, saber
Se é o teu coração uma coisa tão linda
E eu assim uma coisa tão incerta

domingo, 19 de maio de 2024

Procuro o que é constante em minha vida. Tenho entendido que a falta é a única que não me abandona, em todos os momentos. Sinto um vazio terrível, o mundo horrível, as pessoas presas, eu mesma presa a essa falsa liberdade. Olho pra dentro e tudo faz sentido, a falta, o medo, a prisão. O medo de não agradar, de ser ignorada, de ser subestimada. Ou superestimada. 

Dormentes

Deixar você sumir

Encostar na pele tudo o que eu não disse

Me cobrir do perdão que não te ofereço

Me aninhar na prisão do desvelo


Flores, intactas

Quanto ao vazio - indico que sou eu mesma

Nasci e desde sempre enlouqueço

Que voltam à memória meus sentidos dormentes

O passado não me consome, mas dele me alimento



domingo, 10 de março de 2024

Oxigênio

Movimento em ondas, fluxo, impermanência

Experiência da consciência

Trago em mim o universo e aprecio a paciência com que o tempo me maltrata


Calma, me despeço em cada instante

Cada eu no entremeio, sempre aflita e sem receio

Sirvo ao meu comando e ao meu sabor de seguir viva

E levo 

A cada segundo meu corpo, dou um passeio

Peço mais alma, de tudo pra encher meu copo cheio

Leio

No universo meu livro até o meio

Na palavra, destino e devaneio






quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

Bonsai

Amar a solidão como quem ama o amargo do seu prato preferido. A solidão, a impermanência dos momentos, a dissolução da razão que teima em antagonizar tudo: sentimentos, sensações, pensamentos. Nada é tão duro que não possa ser imaginado, nada é tão absurdo que não possa ser escrito. Até um certo ponto, isso se limita apenas ao caos que transforma tudo em tempo. Antagonizo e dissolvo minha linguagem no caos. Comemoro a existência silenciosa da multidão em mim. Múltiplas, a celebrar e vida num ritual de resistência, camadas de barulho e muita palavra, quando só o silêncio comete o maior crime passível de ser perdoado, o de existir em tudo sem ser anunciado.

Telescópio

 Vou te escrever até você sumir. Sempre o melhor termômetro pra medir o tamanho da dor. Quanto mais escrevo, menos dói. Por isso, gasto alguns metros ou quilômetros de palavras só pra poder te ver indo embora, devagarinho, despovoando a minha mente. Você leva a sua trouxinha no ombro e me deixa cada vez mais tranquila, só, com a única trilha por onde posso caminhar. Meu olhar avança através do espaço e o seu rastro enquanto se afasta é o que mantenho de vida, meu olho treinado pra te ver cada vez mais longe e o percurso cada vez mais longo. Assim, você também vai ficando pequenininho, até caber numa leve coceira, uma cócega de melancolia que se esvai com um sopro mais profundo ou apenas um piscar de olhos, sorridente ou não. Quanto a isso, a escolha fica comigo. Tudo pode depender do meu foco.