No final tudo disso era pra você
Te dou este presente para a posteridade
Que só nela cabe qualquer poema
Só no depois
A poesia é um berçário de palavras póstumas
No final tudo disso era pra você
Te dou este presente para a posteridade
Que só nela cabe qualquer poema
Só no depois
A poesia é um berçário de palavras póstumas
Sou fácil e firme que esqueço sempre à revelia
Esqueço do apreço não tenho palavras pra toda empatia
Se lembro de coisas reais só através de outras falas tardias
Na minha cabeça palavra não fica e esqueço se algo fazia
Esqueço que lembro só do que me dói e vicia
E lembro que o preço que pago é talvez esquecer desse dia
Sou fácil e firme que esqueço que raiva sentia
E esqueço que lembro que além de raivosa também te esquecia
Já esqueci o que ia falar
Não era pra você, também
Era pra nós
Que esquecemos sempre do mais importante:
entender.
Não dar conta de si quer dizer se deixar encantar
Não dar conta de si quer dizer se deixar viver
Eu não dou conta de mim e do que vou ser
Sou a loucura por trás dos olhos de quem me seguiu
Pra saber que nada importa que somos loucas no final
Ninguém é normal
Fazer as pazes com o não ser também é amar
Me dar conta de que vai acabar
Derreter
Ao final, ninguém vai me julgar
Também vou embora
Também vou voltar
Também vou embora
Também vou voltar
Também vou embora
Também vou voltar.
Eu não sou companhia melhor
Do que você mesma em solidão
Ficamos sozinhas na noite
Todas nós harmônicas
Somos calmas e fáceis de lidar
É fácil mudar um pensamento
Assim, tranquilamente
Como quem nasce
Como quem morre
Apenas por saber
Que não vale a pena
Endurecer e invejar
O que não faz parte do teu mundo
Deixar ser
O que não com você não tem mais a ver
Que nada além de você te concerne
Se ocupa da tua loucura
Se mistura com a tua calmaria
Mescla
Só com a tua própria imensidão
Pode ser a linha transparente do não-limite
Ou a infinitude de todos os momentos
Um abraço sem fim
Decalcado pela impossível presença
Assim como todo o tempo existível
Pode estar contido na impermanência
Ou até
numa eterna
ausência
De volta à semiótica dos silêncios e do que eles temem recalcar: o próprio ruído travestido de obsessão do que eu não posso imaginar. Se eu talvez em línguas mais neutras conseguisse falar? não.
O que me domina é a pura construção do conhecimento: a linguagem - nela sou livre, porque tão limitada, a falhar.
Olha só comecei criticando o que eu mesma estava esmerando criar pois parecia mesmo um plano infalível. No entanto aqui estou me entendendo com o outro invisível que não precisa se manifestar. Quem precisa de planos, afinal?
E teço fios invisíveis algoritmos recalcados me mostram uma realidade que não queria inventar. Ninguém ouve o grito, a terra agoniza derrete mas estamos aqui no fim do meio que é o início de um nunca que ousa acabar. Acabo todos os dias por me exterminar e passar por cima de tudo o que imaginava poder criar. A realidade. Ela me esmagou mas tem uma coisa ali dentro ainda que não caramelizou. Caramelizar parece um bom princípio de fim pois depois de acabada a coisa ainda vira algo lindo de tão brilhante e ainda doce.
Não sei da leveza que inventaram
Sei da ausência a que me obrigam
Os fins os meios a natureza moderna:
Aqui nada há de me faltar
Pulemos todos num grande guarda-chuva
Vamos nos deixar afogar
Tudo o que nos falta um dia sobra
E vai acabar
Aqui me encontro pra não me perder
Que só me entende quem se confunde
Ou se ofende
Porque sentir já hoje é passado
É de quem já vive meu presente.
Desenredo quando sinto que vem
Nadando pelo rio um peixe bem grande
Uma ânsia pra jogar pra bem longe
Nada mais que um impulso de mentir
Mentiras têm cabeça pequena
O pulso grande, enforca o peixe
O corpo ausente que já aflora
Mentiras são puro devir
Não falo em nada do que penso
Que minto da rima seca no olhar
O rio sem balanço não chora
O peixe já deixou de existir.
É só uma brincadeira e me arrefeço
Sabendo dos olhos gelados em mim maçã
Vergonhoso estado de inocência
Ou total conhecimento de tudo.
Ao abismo
Quando tudo derrete
Eu precisava saber
Que me sigo sozinha
Como sempre fui
Que me marca a pele
Que me aperta o pescoço
E sigo só
Como sempre fui
Derreto ao sinal de fogo
Pairando nua nas estrelas
Sou fogo ardo
E me sinto só
Como sempre fui
Em mim habita a loucura
Que ao nada me jogam
Como ao espaço pois ainda não me sei
Nem ouso
Pensar que conheço
Melhor minha vida ainda só
Como sempre fui
Estrato, passa
A dureza da queda
Tão rápida um cometa
Pra voltar meu chão cabeça
Sozinha e só
Como sempre fui.
Já tão acostumada
a me apoetar como realidade
que já não me admito
em linha reta conversar:
ou estranho no delírio
o que disserto errado sempre voltando
ou invejo o belo livro -
presságio infinito da divina coerência
que penso só existir nos outros
em mim nunca, jamais
Poesia é vitrola estragada
O conjunto da obra é que é singular
Ouvindo o som do que entrego parece
Tudo o que fica esquece
Que perece
Estamos já sempre sozinhas
Nós duas caminhando
Ela fia por entre as teias falece
Revive pra mais uma carreira endurece
Enlouquece
Me puxa pela mão, floresce
Engendra o invento ao pé do esquecimento
Pra me dizer que passa
E amanhece
Na minha cabeça tem estrelas
Na minha cabeça explode o movimento
O respiro de ser eu em meio ao derretimento da aurora
O corpo de estar em mim quando o pensamento se extingue
E bruta a dureza de um ar não respirado
Um tremor não aplacado
Uma súbita noção de cansaço após a morte
Que só tempo de viver na outra vida é o que cabe
Depois que o nada vira sentido e tudo faz som, ruído
Movimenta vira quem não gosta do que sinto e me atira
Impávido
Pequeno, sem saída.
Quem nunca olhou pra montanha detrás dos meus olhos não sabe o que esconde
A neblina fosca no fundo da cabeça vapor
Uma cor bem quase nada
Não nítida
Mas por trás da montanha escuro
Um vale nem eu sei o que vai porque nada volta de lá
Vem um segundo ele-eu que sou subindo
Tentando me agarrar na bordinha da ponta com neve e tudo
Olhando pra baixo pensando em escorregar talvez quem sabe
Olhar
Pra fora do olho quem vê já não me enxerga
Sou eu olhando pra trás de outra montanha agora salto
Eu-ele pulamos pra dentro de outra miragem
Nos atiramos no precipício
Engolidos pela sede de sermos vistos
Lá no fundo, deglutidos
Misturados ao que outra visão carrega
Já somos parte da paisagem
Estamos ali habitando
Esperando o dia que seja
De enxergar o sol por trás da nuvem.
Saber sair quer dizer esperar
Ficar indo embora
Que assim sempre indo pois voltando
Nunca deixa nada a desejar
Chegar partindo
Quer dizer nunca estando
Ou entrando na saída
Caminhando se parar
Mas se em tudo demorando
A velocidade ao passar
Algum tempo dimensionando
Tem a duração de um lugar.
Luz híbrida retorna ao não voltar.
Que brilho ultrapassa o sonho ao acordar
Acordando de um relance: a noite solar.
E volto.
Ao retornar descrevo o caminho por onde passei
Tentando dissolver o fóssil, ele não está mais lá
Só o fóssil do fóssil, assombra a me sombrar
O fóssil do fóssil do fóssil reslumbra resquício
Idade lunar
Parede entre encarnações: me segue até lá.
Quem sabe nos encontramos
Num outro lugar?
Tive que voltar.
Porque sempre me chamam pelo nome que é um fio
Ainda linhas escrevo dentro da minha cabeça ao deitar
Que ainda fios me seguem sem eu deixar
Porque não deixo
Acordo e ainda sou o que sonho ao sonhar
A verdade mais límpida, a que não posso enxergar.
Eu olho pra ela e rio ela sou eu
Aos 13, 14, 17 anos até 44
Ela não era, ela sou eu
Segue sendo ainda que pensem que não
Me toca porque não houve assim uma cerimônia de encerramento da adolescência
Nem da infância
Nem de mim aos 20 inteiros gastos com pena delas todas
Se repetem, ano após ano
Olhando por cima do ombro para trás e achando que virou outra.
Como caindo no exercício de se mirar
Carnivorando a respiração precisante de perdurar
Se pendurar na anatomia do fio que liga a vida e desliga a dor
Alongando na sálvia saliva do perfume flor
Mais uma vez, espectro
Transduto de coices metálicos ao lado de todas nós em fases semi-bucais
Lâmpadas (outra vez) me lâmpadas - me limpe
- Todo borrão espera seu coito, sua malícia viva na pedra olho vulgar
Mas me mate-me de tanto esperar - a vida me intempera
Poesia é idioma nuclear
Desenrolo o pano sobre a mesa e penso: aqui já caminhei
Meus pés atolavam pesados na culpa e não havia nada que eu pudesse fazer a respeito
Hoje as nuvens pesam embaixo e não sinto nada além de frio
Que a estratosfera é densa e cálida ao contrário
E aqui me jogaram quando me olhei no espelho e enfrentei o medo
Aquele medo maior
Que agora é luz no fim do meio
Derrubado na minha cabeça porque dele não desapareço
E colapso junto com um país pelo ralo
Colando restos para sobrar no ano que vem.
O querer só pode ser um querer de si
Um querer querer-se tanto que tem que transbordar
Mas sempre voltar
Pra de onde todo querer sai
Quando transborda não é mais querer
E quando volta já não cabe mais
Por quê tentar controlar o que quer outro querer
Se no fim só podemos nos querer e a mais ninguém?
O paradeiro inalcançável
onde nos encontra enfim a cerca sob cuja sombra descansamos
poeira seca no chão, sépia
velhoeste
tudo o que poderia ser impossível está além desse limite
o filme rodando, a gente imaginando ser um personagem mas sem saber que do outro lado tem nada mais que a vida
que a câmera era também parte da ficção
e que o tempo todo encenávamos a nossa própria vitalidade que se perdia
ela ia embora
e nós pensávamos que era tempo que poderia voltar rebobinando a fita
mas dentro do filme da nossa cabeça já não havia cenário, era tudo um enredo sem sentido
a cena tinha acabado e a gente ficou sem créditos no final
levaram o mundo embora e ficou só o deserto, marrom.
Receber no correio uma carta e ficar contente como uma criança ganhando um brinquedo
Entrar em casa e ver que todos os seus sonhos foram realizados
Parece tanto brilho luz tantas cores
Deitar na cama de barriga pra cima e pensar em não estar mais aqui
Tão sólido pensa que tão ridículo pensar assim
Não tem pra onde fugir
Estar agarrada à vida como chiclete no sapato não largo não venha me tentar
Olhar pra seus silêncios e se permitir viver com seu monstro
Esse que te fala baixinho pra parar
E você olha pra ele como a criança que recebeu a carta mas não gostou do que leu
Sabe que logo ele tenta falar mais alto mas você está mais agarrada porque ainda tem uns sonhos de outras pessoas pra realizar
Parece confuso, viver assim com seu monstro que quer te comer
E você olha
Só olha
Não dá pra silenciar o monstro, quem sabe
Só olhar
Um dia ele para, mas aí já será tarde demais
E você já vai ter sido vida comida pelas beiradas até o miolo acabou
Porque era hora e não antes
mergulhar no ser como abrindo
escancarando as tripas tremendo
na lâmpada acesa da necessidade precisando
continuar como quem morre
morrendo na vida brilhando
pra sair ilesa
fingida
como se nada tivesse aparecido nem ela
saindo de fino olhando para os lados
ninguém viu
segue
já não é hora a morte foi eu fiquei
e ainda estou
seguindo casca ovo nascida da lâmpada de novo azul
amarela
pra onde segue de volta ao contorno ruminar
a si mesma como consome
casca de ovo
regular
como quem cicla o mundo gere
grávida de lâmpada luz forma
quebra lâmpada gera mundo cabeça olhos
pensa mundo
mundo explode
apaga
segue
olha de novo ninguém vê segue
agora fios linhas ninguém vê segue
vermelha torta linha amarela
segue
ninguém vê segue
linha
siga finge sai torta olha ninguém
lâmpada
mundos
linhas
Por ser escura assim tão contrastada com o dia
Vejo claramente a sombra de um futuro brilhante que passou
Foi futurar em outros passados e não ser pra outras gentes
Deixou só um vento com cheiro de nada
E um vapor com gosto de tudo
Deve ser assim que o futuro vê a gente: uma sombra pra dar risada
Hoje eu mordi o nariz de uma vampira
Mas foi bem sem querer, ela que me deu uma narigada, na verdade
Eu só ia abrir a boca pra falar
Mas na hora acabei mordendo mesmo
Acontece.