segunda-feira, 19 de maio de 2025

Sono

A escolha como navalha da vida nela navego sem saber para onde apontar pois sempre estou com perspectiva deslocada - me olho ao mesmo tempo em que me sou e isso não pode ser natural. É natural saber do corpo muito pouco o que produzo líquidos febres inflamações pequenas ou grandes dores. Meu corpo me identifica no tempo no espaço e no entanto estou tão fora de mim como para me parir de novo a cada instante músculos ossos estou me criando. A terra quer me comer e eu me como sabendo que sou um amontoado de células condensadas ordenadas desordenadamente de forma a que sempre dá mais ou menos certo e meu olho não é meu corpo todo. Meu corpo não é minha cabeça mas acho que sempre estou morando dentro dela sendo meu corpo resto o que me carrega por aí e meu pé não pensa. Eu penso com a cabeça e ela não mora no meu pé. Mas meu pé responde a tudo o que minha cabeça dele recebe ou seja eu nem sou tão humana mesmo sou uma teia. A aranha que me faz sou eu que invento mas ainda assim quando durmo não sei mesmo se estou viva não tenho essa certeza. Se não estou acordada quando durmo quer dizer que morri e esqueci porque me entreguei tanto ao sono que ele pode me carregar para onde quiser. Eu quero dormir mais do que tudo pois lá não preciso pagar contas. Mas acordada me lembro de tudo apesar de quase nada mas ainda assim a dureza me faz encontrar uma pequena fresta de saída para a luz do que não consigo decifrar. A cada instante busco o facho que dela chega mas sabendo que se olhar por muito tempo talvez eu nem consiga mais fechar o olho e meu olho não pensa. Quem pensa sou algo que acha que pensa mas no fundo só existo como uma situação coincidente. Que coincidência, existir assim! A melhor explicação que poderia ter é o mistério mas ainda assim sou teimosa quero provar um pouco do mel ganancioso da sabedoria eterna do ofuscar de uma roupa que um dia não vou mais vestir porque quando pensei já não sou mais. Vivo assim me escapando pelo labirinto do total desconhecido e isso sim é uma delícia, me perder mais do que tudo não saber mais do que nada. Preciso dormir. 

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