terça-feira, 22 de outubro de 2019
Abjeto
Calada na noite percebo um tino antigo pra fazer do escuro um sabor doce, azedo. Percebo. No fim fazemos de tudo pra perseguir desejos sem que eles nem mesmo estejam, somos na melhor das hipóteses quadros sem molduras. O que não me importa é ser menos exposta, já estou nua e dissimulo a atenção necessária para atividades básicas - mastigar, perdoar, sumir. Tudo à minha volta repara: voei e caio lentamente, rente ao chão e respiro a poeira inerte pisada pela morte dos sonhos. Observo. Já tive mais medo, hoje tenho cal nos sapatos e algodão nos ouvidos. A quem eu engano? O medo é meu único abrigo, aquele que me define com marteladas no estômago. Adorando o escuro, profano. Essa luz e a sua sombra, meus enganos. No silêncio posso me ouvir, abrir, entender...e travo batalhas que nunca perco, já que meu reino é de palavras, facas que furam os olhos vazados do Édipo sem vigília, inocente. Me repito porque ainda não acabei, devo ainda procurar saber. Faço uma lista das minhas vontades e nada mais me assusta, nem mesmo uma surrealidade impressionante e manifestada. Nada. Apenas ouvir também me cabe, pois o som transgride a norma e rompe o delicado véu que envolve a mais pura, a mais sublime sinceridade. Sentir no corpo uma dor. Doer e envolver, acolho o torpor. Evaporo-me. Sou um objeto em extinção. Escuridão.
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