Respirou profundamente :: finalmente compreendera que os seres humanos apenas imitavam uns aos outros na tentatival inútil de serem o que não são. Julgava que por obter tal conhecimento rompia com todas as regras do mundo, destituía-se de seu posto de observadora para passar a ser uma participante na coletiva geração espontânea do universo. Deformava todo o conhecimento social, antes motivo de orgulho, na ânsia de esquecer que um dia também fora como eles - animal, quente, desgovernada. Saiu descalça pelas ruas - estas enchiam de palavras mal escritas, luminosos e acidentes geográficos desnecessários seus olhos apertadinhos, já lacrimejantes pela fumaça que emanava dos escapamentos. Japoneses e poloneses, turcos e judeus, cariocas e gaúchos, todos formavam uma grande massa disforme que espalhava desejos e fabricava objetos medíocres, sempre acelerados pelo ritmo dos vermelhos ônibus com duas sanfonas - gigantes minhocas entrecortando a paisagem - e confortados pelos pastores nas portas das igrejas.
Flutuava, pois estava sem calçado nenhum.
Via torrentes de gente entulhadas nos caixas de supermercados, shoppings cheios de incertezas e restaurantes rápidos como uma digestão não deve ser. Atingiam-lhe especialmente os olhares de crianças sujinhas nas ruas vendendo balas. Só não lhe agradavam as que tentavam fazer malabarismos com laranjas - achava um desperdício de frutas. Cartazes anunciavam as modelos e suas roupas, os remédios e seus efeitos, os vereadores e seus incríveis empreendimentos, os celulares e suas magníficas tecnologias. Tudo aparecia, tudo estava claro, tudo muito prático e fácil.
Tudo, no entanto, parecia um grande saco vazio, agora que ela estava cheia de ser.
Tinha de ser. Tinha um ser com quem já não se identificava, posto que não se identificava com coisa nenhuma, nem com ela mesma ou com quem quer que fosse anteriormente. Tinha nisto a confirmação de que não era nada.
Apenas um saco vazio cheio de si.
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