De profícua imaginação, o caramujo se contorce em si mesmo, acomoda-se em sua espiral e passeia pela praia. Olhando os gigantes que desviam, as crianças que apontam com nojo e os cachorros que lhe aproximam o focinho, o molusco atira-se num fantástico mundo em que é dono de tudo e de todos, onde o povo lhe rende silenciosa obediência. Em seu úmido casulo pode ouvir os pensamentos de seus súditos e, ao menor sinal de idéias subversivas, mandá-los para a prisão ou para o enforcamento. Em seu delírio assiste a uma disputada corrida de maruins, em que conhece uma apaixonante barata-do-mar. Passeia pelos mares infinitos, todos parte de seu patrimônio, conhece os mais distantes limites do oceano. Inebriado com o som das sereias, se deixa levar pelas ondas, ora flutua, ora arrasta-se pela areia profunda. Tem na cabeça uma leve coroa e no casco um belo manto de seda vermelha. Fazem parte de sua corte inúmeros servos - cozinheiros, costureiras, bispos, guardas, bobos-da-corte, músicos, espadachins, sapateiros, barbeiros - e a todos dá ordens com olhar benevolente.
Num descuido, algum banhista distraído esmaga-o com o pé.
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