Todos os dias ela apela para a rádio Am, na falta de coisa melhor para ouvir. Sintoniza a estação gospel, se lança no infinito cinza da rua XV, caminha passos apertados e velozes na ânsia de alcançar de uma vez por todas o toldo vermelho apagado da loja de roupas em que passa 10 horas mal vividas de seus preciosos dias. Fuma uma última tragada antes de entrar, e, ainda esquentando as mãos para derreter o gelo das sete da manhã, passa o cartão magnético na catraca dos funcionários. Bom dia para o segurança, bom dia para a faxineira que já se prepara para começar o serviço munida de luvas, escovão e acessórios. Bom dia espelho do elevador, bom dia cara inchada. Bom dia remelas, bom dia unhas sem pintar. Bom dia outros magníficos colegas de trabalho a quem nunca confiaria sequer dois reais. Bom dia felicidade garantida e loucas pessoas implorando um desconto, reclamando de tarifas indevidas, atrevendo-se a dirigir-lhe a palavra enquanto se concentra na dobra de uma ou outra peça jogada pelo chão. Anima-se, no entanto, pois logo será a hora do almoço, finalmente encontrará Juvenal.
Até que enfim.
Empregados enfileirados, nem parecem ter fome ou algo que o valha, no melhor dos casos parecem formigas esperando uma consulta breve com a rainha, resignados, já vencidos pelo cansaço em meados da jornada. Ali ele está, servindo os bolinhos de carne - o sorriso não esconde que o avistamento é recíproco. Prepara seu melhor rosto, lhe mostra os melhores dentes, profere as mais criativas palavras:
- Nossa, hoje parece que tá bom...
- Especial pra você, minha rainha!
Recolhe-se a seus aposentos reais, na mesa perto da janela. Avista lá embaixo a praça Zacarias, movimentada, cheia de ciganas que prestam seus serviços aos transeuntes apressados. A chuva dispersa os consumidores e a praça fica reservada aos vendedores de guarda-chuvas, que aparecem como num passe de mágica.
Fica feliz ao lembrar que trouxe o seu, deste tempo de Curitiba que mais se pode esperar, afinal?
Nossa nati.
ResponderExcluir...incrível, fascinante, mesmo.