Sou capaz de relacionar o irrelacionável e de enxergar o invisível.
Posso ver através de cinismos e hipocrisias, distinguir falsidades em meio a grandes sorrisos.
Consigo, sem muito esforço, vociferar palavras duras e verdades inconvenientes, mas agrado facilmente quando, a duras penas, me humilho e peço desculpas.
Dificilmente sou enganada, pois sei enganar muito bem.
Dificilmente sairei ferida de uma briga, a não ser que me fira para tornar o adversário mais vulnerável. Ainda assim, evito sempre que posso os conflitos.
Sou muda, não tenho olhos, visto sempre a mesma cor de roupas.
Ouço muito, pois sei que é através das orelhas que entram as pedras mais preciosas de sabedoria.
Gosto de gente, gosto de crianças, de velhos, de animais comportados. Gosto da lua e das folhas verdes, da paisagem montanhosa e de rios gelados. Não gosto de civis, nem de militares. Não gosto de dinheiro. Não gosto de carros. Não gosto de calçadas.
Penso quando caminho, ando sem destino por aí. Olho nos olhos de desconhecidos num ônibus lotado, me apaixono perdidamente por um olhar qualquer, logo esqueço e volto a me concentrar numa bela canção. Falo nove idiomas diferentes, sou cosmopolita e regionalista. Tenho medo de sombras, de comidas estragadas, de detergentes e de cigarros acesos. Sempre peço conselhos a um estrangeiro, a um monge ou a uma freira, mas igualmente sei que a solução de todos os meus problemas está dentro de mim mesma. Aos que me confortam dou pancadas, aos que me batem, ajoelho-me e agradeço.
Já tive vários corações. Com um deles perdi minha identidade, com outro perdi meu cabelo. Usando um certo terceiro virei-me do avesso e o arranquei fora antes que fosse tarde e não me sobrasse artéria para contar a história. Do quarto guardo a lembrança do pulsar irreverente e macio, o quinto afogou-me numa música inebriante. O sexto se partiu em dois e deixou-me a vagar sem coração pelo mundo esquisito.
Ainda, tenho esperanças de mudar de planeta e a certeza de poder voar um dia.
Por isso me calo.
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