quarta-feira, 16 de abril de 2025

Cartas II

Acordada demais para fechar os olhos na penumbra. Espantada demais para naturalizar uma saudade. Saudade rígida. Rígida demais para amolecer o cansaço, cansaço virando névoa. Não me entrego e renego tal fuga do domínio do presente, me enlevo. Os pés embaixo da terra, lenta, precisa. Preciso dos espelhos da tua retina. Me atiro na falta que eu mesma me faço, preciso de mim para não existir dentro. Caminho sobre as pedras quentes da tua angústia e tenho medo de ser fim. Não quero teu desgosto com sabor de rícino, rotina sem direção, desencontros sublimes e fantásticos. Desencontrar é romântico demais.

Te escrevo uma carta sem final.

Nela te digo: quero te prender no limiar do abismo, entre a certeza e dúvida doces, sempre e total. Quero trêmulo te permanecer, faísca - te desonero da culpa de escolher, do mal de me entregar volátil. Você aguenta o meu amor? Sou pesada vagarosa, como um sol nascendo e te acompanho sempre de longe, lá onde meus olhos já não são infernos e nem boca que exista para me transpassar. Transpareço (lívida) a divina impressão de te agarrar, pendurada num arame e, de lá, te absorvo nas minhas profundezas sem preparo. Te amparo, como aranha bruta que provoca a sua presa. Já é de manhã, estou viva. 


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