quinta-feira, 3 de abril de 2025

Colírio

Um dia, me fiz bem pequenininha. Assim, pude caber em gotas, ser derramada em doses homeopáticas no teu olhar gigante. Lá dentro, desintegrada, juntava os fios cortados de quando a boca se fecha em pedidos e súplicas - fique, aqui vai ser bom, aqui eu te mereço, aqui já estivemos em tempos antes de nascer, aqui inteiros. Por dentro da retina naveguei, descobrindo no meu reflexo de lágrima o que nos afasta e nos reprime na inocência de gostar: apegos, sentidos, suspiros, saudades. Ali uma vez já tinha sido, mas seria novamente tanto e quanto o olho precisasse, o incessante piscar de cinema movediço mas na verdade está parado - o filme todo uma grande imagem estática. Quem assiste não quer saber do meu tamanho, da minha idade, de como cheguei até ali - só quer a certeza de que ainda mergulho ou trafego ou respiro por entre a fina camada líquida esperando a hora de chorar - choro sempre que o corpo me inflama, desejo ser grande de novo, então. Fui crescendo e por dentro sentia um transferir de almas, já não era mais átomo, Deus, partícula, movimento. Já era você de novo, sentindo através do meu olho a sensação de goteira, meu olho embebido na mágica. Era eu quem me olhava de longe. 




Nenhum comentário:

Postar um comentário