Um modelo pra seguir, ela logo pensava. Uma forma de contato com seus ossos, estúpida camada de certezas. O osso é um tecido tão denso estruturado, uma teia de minérios e a vida mesma, ele não é plástico. Em estando na terra, volta como se nada - de forma muito lenta, abnormal - certo mesmo são as pessoas. E as pessoas são erradas sempre, uma forma de invenção. Castelos de cartas, emaranhados móveis da moral e do bom convívio - a gente precisa dos outros e os outros são obstáculos (se viver fosse lisura a gente escorregava pra eternidade). Mas, voltando aos ossos, eles não têm liso, são feitos de buracos. E é o oco quem carrega tão cheia coisa de se mover. Aí eu caio em perigo: dependendo do olhar, posso ser dura ou flexível. Não sigo as regras mas me atrito conforme a palavra, semovente e sub-reptícia fugindo da estreiteza e do medo. Ou encarando mesmo de cara na frente seguindo a recompensa. Pois bem, me incomoda a ligeira fraqueza das articulações, o medo é estar enjaulada na extensão infinita de uma dobra sem volta. Algo me diz que preciso confiar na inteligência do corpo.
Neste trecho aqui, "Castelos de cartas, emaranhados móveis da moral e do bom convívio - a gente precisa dos outros e os outros são obstáculos (se viver fosse lisura a gente escorregava pra eternidade)." penso que pode haver uma confusão entre conduta ética e dogmatismo moral (o dogmatismo não considera o contexto das situações, a ética sim). E também entre conduta ética e utilitarismo (a conduta ética é, ou deveria ser, indiferente ao fato dos outros serem obstáculos). Recomendo, novamente, a leitura de o "Mercador de Veneza" e "Antígona", dois textos que problematizam o uso da Palavra (do logos, da Lei) em sociedade (e em como esse uso pode, inclusive em "nome da moral e dos bons costumes", destruir pessoas). Anyway, a questão toda que se coloca ao ler esse seu texto é: se a estrutura é esburacada, se há atritos, e se há, principalmente, linguagem, algo me diz que a autora deveria confiar, então, na inteligência dos corpos (no plural). Até pq, um corpo, nunca está, de maneira plena, hermeticamente isolado do resto. A inteligência, nesse caso, me parece vir do corpo no mundo, - ou seja, num conjunto de corpos - e não dele sozinho (ou em unidade). O que incide, fundamentalmente, em uma questão ética. Beijos!
ResponderExcluirOlá, Alexandre! Agradeço pelo comentário, adoro saber que as pessoas leem meus textos. A palavra "moral" pode ser sim questionável num contexto acadêmico e jurídico, pois compreendo que a confusão entre ela e conduta ética (levando em conta contextos e coletividades) possa dar origem até mesmo a regimes opressores, destruições de vidas etc. Existe confusão! E pra isso também existe a poesia. Por sorte, acredito trafegar no âmbito da fidelidade à única experiência possível - a do meu próprio corpo, e nisso devo discordar do seu comentário final: confiar na inteligência do mundo é sim confiar na inteligência do corpo (singular), pois este é a expressão e origem também do mesmo mundo. Enfim, teias, estruturas, tudo isso serve pra sustentar uma experiência particular e coletiva. Se tudo se resume a uma questão ética, fico confusa em relação à natureza e seu utilitarismo sobrevivente. De todas as formas, obrigada pelas dicas de leitura! Beijos
ExcluirOlá, Anti! Agradeço pelo comentário do comentário. Fico feliz que ele tenha te afetado positivamente. =D Na verdade, seu próprio corpo é feito de corpos. Atualmente, por exemplo, fala-se muito como o funcionamento do intestino influencia o humor das pessoas. Ou como o uso do celular está relacionado a uma espécie de economia da dopamina. Quando falo ética, eu falo de uma dada situação relacional. Nesse sentido, sim, a ética está em tudo. Concordo que ela é uma parcela da vida em termos de discurso. Aliás, impossível darmos conta de toda vida com palavras (acho que já discuti isso com uma pessoa... enfim). Mas um discurso nunca é somente individual - ele é, sempre, feito de muitos discursos. Mesmo a língua que usamos: nós a herdamos, não é uma coisa que surgiu junto com o nosso corpo. Mesmo o nosso corpo, ele é parte de um material genético externo (nós não nos auto-formamos). O que eu quero dizer com tudo isso? A questão ética é justamente essa questão singular de que você fala, pois é o índivíduo frente a tudo o que lhe externo tendo que tomar decisões. Diria até que a questão ética é a inteligência da parcela que nos é singular (perceba como ela se distancia de moralismos, dogmatismos etc.). A poesia, inclusive, é um posicionamento ético. Fico feliz que você tenha gostado das dicas de leitura. Como leitor do seu blog, aguardo as futuras reverberações que elas causarão aqui. Beijos!
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